quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Chave de ouro

Hoje de manhã me lembrei de como era o mês de dezembro há uns 10 anos, no tempo onde eu não trabalhava e não pegava recuperação no colégio. Antes eu agonizava para que dezembro corresse devagar e eu aprendesse tudo que não tinha estudado para passar de ano sem méritos, mas cantando vitória. Atualmente a reza é para que o mês voe até o natal e às festas. Férias.

Legal mesmo era passar o mês inteiro sem fazer absolutamente nada, decorando a programação da Globo e do SBT, indo até a varanda para ver o por do sol, passeando com o cachorro. Sair nas ruas a esmo, como se para encontrar alguma coisa, alguma rua diferente, uma nova construção, eis uma coisa que eu gostava e nunca soube porque. Uma coisa que só era boa em dezembro, pois o clima ameno era mais convidativo que o de julho e ainda não tinha as viagens de janeiro. Dezembro é o mês do respiro, daquela brisa leve que bate antes da canoa virar na corredeira abaixo, antes do Coyote perceber que perdeu o solo e terá uma queda iminente assim que olhar para baixo.

Essa vertigem típica do último mês do ano, tão aguardado por causa do natal e tão lamentado por ser o mês da reflexão sobre o ano corrente, sempre me causou acidentes pitorescos. Como dizem os mais populares, para fechar o ano com chave de ouro eu sempre dei uma das minhas. Ano passado esqueci do presente de natal de quase toda minha família; no retrasado, na Austrália, agraciei minha ceia de natal com vinho de caixa e pizza Dominos; uma vez, na infância, abri o queixo na quina da mesa; no tempo dos primeiros passos e pedaladas, enfiei minha bochecha no guidão da bicicleta do meu irmão – o que me deixou com uma cicatriz redonda que até hoje parece que fui queimado a ferro. Minha primeira batida de carro foi em dezembro, meu primeiro grande porre (se eu me lembro) também. O mês também era a temporada para (re)colocar aparelhos na boca, tampão nos olhos (sim, eu já usei) e torcer os joelhos. Tudo que pode dar errado comigo, só dá errado no fim do ano – maldita chave de ouro que deixa seqüelas e atrasa minha vida.

Assim me encontro quase que a espera da contusão, da burrada, do gran finale. Digo melhor, eu nunca espero, pois o mês é de superação. Superação no trabalho por ter que fazer tudo apertado junto com as provas finais e superação na faculdade por ter que estudar, passar, trabalhar, viver, etc. Chega dezembro e tenho que teimar por frações de notas que me livraem de dependências e dores de cabeça no futuro.

Nesse mês eu já fiquei sem gasolina no meio da rua, sem dinheiro no restaurante, quebrei meus óculos, perdi viagens, perdi ônibus em plena chuva, perdi o limite do banco. Tudo isso um pouco comum, tudo isso um pouco surpreendente, mas nada me chocou tanto quando romper os ligamentos do meu pé direito ontem no futebol. Justo o direito! Justo em dezembro! Justo agora!

Estou triste, pois me encontro sozinho em casa sem fazer nada, como há 10 anos atrás. Hoje eu não posso sair pelas ruas com meu cachorro, mal posso ir até a varanda. Pior, tenho com meu pé enjaulado numa bota ortopédica por 3 semanas, um chorinho para quem quebra as pernas, mas para mim é a sentença de um ano novo diferente e com muita areia dentro da bota, coceiras, não dirigir, imobilidade, impossibilidade de surfar, impedimento de jogar bola e não vou fazer mais uma porção de coisas que precisam do pé direito.

De todos os males que me assombram em dezembro, nenhum se arrastou até o ano seguinte. Dessa vez vai ser diferente, talvez seja só drama mesmo, talvez eu (que nunca me fraturei) possa estar reclamando de pouco. Tenho motivos para acreditar que é pura zica, azar, mandinga. Ano que vem eu serei eleito a personalidade do ano pela Time ou ganhe algum festival do You Tube e quando me perguntarem da onde veio toda a motivação para que meu ano fosse tão brilhante, eu só vou dizer que resolvi mudar depois de passar a manhã no hospital com o ligamento rasgado.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O natal do menino avestruz

Eis o menino avestruz dobrando a esquina com seu passo largo e desregulado. Eis o frio do inverno da tv americana que bate e arrepia os cangotes torrados dos brasileiros; chaminés, renas e neve compõem o natal do menino avestruz, o menino que tudo come, o menino que do seu nome cavou a cabeça no chão para fugir do que não quer ver e escapar do frio da televisão.

Quem conhece o menino avestruz sabe bem das suas poucas qualidades, entre as quais destaca-se a capacidade de não voar, a de não ser belo e a de comer tudo, daí o nome de avestruz. Outro dia mesmo, vi o menino avestruz comendo um resto de cachorro quente que estava na sarjeta há uns dias, talvez semanas. Teve outra feita que presenciei o menino avestruz roubando o elastiquinho do cabelo da menina e engoliu como se fosse uma lula a dore dos capilares tão oleosos da sua vítima.

Contaram histórias fantásticas ao pequeno menino avestruz, o menino que tem no seu nome a capacidade de enterrar a cuca e cegar os problemas. Disseram que há 2.000 anos atrás uma quadrilha de ladrões que roubava drogas, armas e eletrodomésticos, com medo de ser pega no flagrante, descarregou tudo numa casinha de um homem simples que viva com sua mulher também simples. Eles tinham acabado de ganhar uma boca extra na casa, a mulher simples tinha parido um naquela noite. Noite ainda sem renas, nem neve, nem trenó, pois a televisão ainda não existia por ali. Foi numa noite como todas as noites. Uma noite em que a família simples interceptou carga roubada, mas consideraram presente; afinal, a quadrilha era do mesmo morro e todos se conheciam muito bem há 2.000 anos atrás.

Muito tocado por esta anedota, o menino avestruz, que enterrava a cabeça para não ver, mas deixava o corpo para apanhar, sempre ficava de braços para o alto enquanto dormia. Desde que ouviu o conto ele dormia meio torto. Noite após noite queria nascer de novo para receber a carga roubada, sem prestações, sem reclame, sem caixas e sem cadastro em lojas. O menino avestruz, que era um saco sem fundo, prometeu para si mesmo que, se viesse a receber tantos presentes dos reis do tráfico, não iria come-los. Iria deixar lá, só para decorar e falar que são dele agora.

Ai, o menino avestruz, que não vê o mundo, pois enterra a cabeça quando atiçado, seria feliz. Feliz porque aconteceu com ele o que só acontecia nas histórias faladas, nas histórias que mudam de boca em boca e, mesmo tentando ser iguais, chegam diferentes para os ouvidos dos meninos como o menino avestruz.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Esperando pelo homem

Chego lá para esperar pelo homem. Ele disse que vinha. Eu sei que ele vem e, enquanto não vem, fico esperando ele chegar. Vou e pego uns livros, revistas e artigos para folhar, ver e ler nas entrelinhas – só para ficar sabendo o mais raso de cada assunto, só para falar que sei o que não sei, mas tenho propriedade. Falo bem e não cito referência nem fonte, falo bem para falar como se a origem fosse eu.

O homem não chegou ainda, marquei para as 20h, já são 20 e 30. Normalmente ele dá uma atrasada, charme puro, catimba. O homem é boleiro, gosta de uma cera, é chegado a um confete quando está com a bola toda. Só que até agora ele não tem pelota nenhuma de vantagem. Espero o homem que não chega e me é igual, só que não chegou ainda, começo a pensar em sair dali e dar ao homem o que ele não merece, um cano.

Só não merece um furo, pois eu já fui o homem que nunca chegou, já deitei e rolei no gramado para ganhar tempo, para comer bola. De propósito já lhe fiz mal. Na cara dura já atrasei meia hora, uma hora, duas horas. Só falo que eu sempre fui: atrasado sim, ausente nunca.

Chego ao final da primeira leva de revistas, das gringas e das boas, só que antigas dem
ais. Cara de anos 90, assim já manjo tudo. Já vivi os anos noventa, eu me lembro muito bem. As revistas velhas tinham o problema de não terem sua continuidade atual, a safra que peguei ia de 93 a 99, se fosse vinho ou whisk, ok; mas era revista – e revista, assim como mulher, anos 90 não dá. Ainda não dá, talvez. Quem sabe nos anos 2010 tudo dê; as revistas por serem vintage e as mulheres por serem semi-deusas recém saídas do forno da adolescência.

A hora dobra para as 21h e o homem nem deu sinal ainda. Não resisto e ligo, uma vez. Sem resposta. Ligar para o atrasado pode ser perigoso, pois o atraso pode ter um motivo, uma causa nobre que não vale uma ligação suja do colega que não soube ser amigo e esperar com paciência – adjetivo que não me tomava na plenitude naquela hora.

Chego aos anuários. Benditos fólios de curadoria gringa também. Estes mais bicudos, mais gordos e inspiradores. Anuários são a droga do eclético, a regra de três do preguiçoso. Mesmo assim são recheados de coisas vermes, como se diz no Norte.

Anuário delícia me sugou por minutos preciosos. Devorei não um, mas dois do mesmo jeito que a raposa rasga e se empanturra do cordeirinho mirrado. Quero sobremesa, tenho fome. Mata o homem e come, diria a coroa. O homem não chegou, pego um copo d’água para disfarçar a fome e voltar ao resto de revistas. Vem a publicação de moda, moderninha, metida e enfadonha. Quase 500 páginas de futilidades típicas de quem é de Nova York. Senti falta da raça do anuário, por um momento, cheguei a pensar em pegar mais revistas dos anos 90.

Assim como um anúncio, ouço o descer de escadas de alguém. Poderia ser o homem? Seu passo já me é conhecido, seu balançar de pernas não me engana. O som começa a ficar mais próximo, juro que ele está chegando. Faço meia careta, meia cara de alívio. Ele, enfim, veio para me ajudar. Não era o homem. Guinou a passada no andar de cima, ironizando meu faro auditivo.

O homem ainda não veio, acabou a leitura, começo a me preocupar. Digo chega e ligo de novo, nada. Agora ele só pode estar querendo uma comigo. Armo o castigo, vou para o boteco, vou enrolar e chegar atrasado com sorriso cevado, cara lavada. Vou dar um chapéu no homem que ele vai ver só. É isso mesmo, minha vez de enrolar.

Já logo na saída, sem mais e sem menos lá ele está. O homem. O homem que me enrolou, sorrindo todo prosa como se estivesse me fazendo de fantoche. Acabei de chegar, disse e me cumprimentou. Não disse nada, não consegui expressar minha raiva, meu plano se frustrou, a minha espera só funcionou porque resolvi esquecer de esperar e lá veio ele, estragando tudo. Cheio de nove horas ele ainda me perguntou se eu estava indo embora, eu disse: não, tava só esperando pelo homem.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Como planejei minha vida.

Nunca entrei na modinha dos blogs, mas não deu para resistir ao ver a minha amiga Mari respondendo um questionário arriscado para uma big agência. Eu também gosto de agências imponentes e fibrosas. Adoraria integrar agências inteligentes e capazes. Agências ferozes, que dominam o reino animal da publicidade (a profissão mais afeiçoada às cobras que as lebres). No caso, a agência, trata-se da J.W.T., um leopardo das savanas rasteiras, que não tem medo de búfalo nem de rinoceronte e devora uma gazela como uma criança destrói um frutili.

A sigla JWT assusta quem conhece e quem não conhece a arte da propaganda. Falei com minha mãe, que é professora: Filho! Que bom, você vai entrar numa farmacêutica, não é? Não mãe. Ah! Então é uma daquelas empresas que vendem aço e ganham bilhões por ano, compram umas as outras e exploram milhões de pobres em paises como Bangladesh. Que bom, você vai ser rico. Antes fosse mamuxa, é uma agência de publicidade, só que uma das grandes; sabe como é que é, quando a coisa é grande é melhor do que quando é pequena, pense em televisão, quarto de hotel e brinde de promoção, maior melhor. Ela teve que concordar agência grande, sorriso grande.

Com o apoio materno restou apenas eu mover meus dedos fatigados de tanto sambarem pelos teclados do meu computador aqui no escritório – e adivinhe, é uma agência! A Thompson (o T da poderosa tríade) quer saber como eu sou, dessa forma tive duas opções ou me apresento formalmente ou crio um personagem absolutamente fictício, meu seft made sucess case. Dou o start num pseudônimo de sucesso, oposto ao seu gênio terreno, um caractere que trilha para o brilhantismo e para as cadeiras dos Chairs Man – mas não para sentar no colo deles, faça-me o favor.

Para me conhecer, concluí eu após um devaneio junto aos meus botões, eles podem checar esse blog tão trabalhado. Tão fértil. Tão leitoso. Tão santo, tão líquido, tão volátil. Ele já diz muito sobre mim. Assim sobra espaço para que conheçam meu alter ego: João Galante. Um homem de sucesso e virtudes inumeráveis, um homem que toda mãe gostaria de ter como genro, ele e o Rei Roberto. Um homem que move multidões. Um homem que ainda está para baixar no corpo que escreveu essas linhas. Um homem para se ver no futuro, mas, se a vaga é para daqui a um mês, falem com o Santoliquido mesmo, ele dá para o gasto. Ele gosta de novelas, gosta de escrever textos longos, textos que hão de ser compilados e lançados numa edição da Cosac & Naify quando ele se for, textos que ainda vão fazer a diferença. Ele joga futebol também, mas escreve com maestria e não consegue falar dele mesmo na primeira pessoa – eis um sinal de sua modéstia incomparável, da sua incrível diplomacia com o interlocutor.

Mas você, que ainda corre os olhos sobre esse texto, vai se perguntar, não seria Renato um criativo perdido na vida, um errante virtual? Não seria Renato um demente para o planejamento, uma pessoa assaz irresponsável para a visão holística de problemas, um menino fanfarrão, um pequeno burguês, que nada quer com a vida e não preza pelo seu destino? Qual será a sina de Renato? O limbo, o não-destino, o ponto neutro, a estação do vazio ou o metro Vila Madalena? Onde ele vai? Onde ele quer chegar com isso?

Planejar, para Renato, ó leitor tão especulante, é trabalho antes de tudo. Seu pai marcou bem isso, disse: Filho, quando te criei, eu acordei com o pé inchado e tive que começar a planejar após essa data. Sabes quantas fraudas eu comprava de antemão nas noites em que comias banana amassada com farinha Láctea? Não papi, quantas? Primeiro foi um par, depois foram dez, após 2 meses descobri que apenas 6 eram necessárias, elaborei cronogramas, fiz planilhas a mão e colocava o despertador para 5 minutos antes do seu já tão choroso e irritante berrar borrado no meio da madrugada, 6 vezes por noite. Uau, papai, então eu devia ser bem chato. É filho, você era, você nem começou a andar e já me amolavas, porém eu planejei e tive seu irmão, este foi planejado, este Será direito, um bom. Este eu não botei para tocar violino quando completou 3, com este eu não fui ao show do Legião no aniversário de 5. Este vai ser algo na vida, já planejei, será engenheiro, não publicitário, ô profissãozinha menor.

Para meu pai, eu trabalho em um escritório de consultoria de marketing, o prêmio mais nobre para quem faz comunicação social.O pai de Renato não acredita, mas seu filho é um grande planejador. Ele já inventou peripécias diversas e engabelações quase infinitas para furtar o carro da família, já foi capaz de malabarismos mil para descolar aquela grana de final de semana. Você quer alguma justificativa escolar? Quer pleitear notas, faltas, atrasos, multas de carro? Renato consegue. Improviso, malandragem, corrupção? Claro que não! Planejamento.

Cito logo um exemplo: Renato quer morar sozinho e não sabe como, não tem dinheiro nem estadia, elabora um plano de conhecer pessoas que tenham um dos dois, ou relaciona a instabilidade mundial com a sua necessidade de dinheiro iminente para aplicar em títulos arriscadíssimos de uma companhia norueguesa de imóveis. Renato já viu tudo, ledo leitor, ele já se posicionou antes das grandes. Baseando-se no superaquecimento terrestre e nas guerras que pipocam dia a dia como espinhas em adolescente, ele sabe que, mais dia menos dia o gelo derrete e tudo ficará uns 5 graus mais quente, o inverno vai para o saco e o verão eleva-se ao quadrado. Quem mora em praias, resorts, paraísos fiscais e outros territórios de baixa altitude terão que mexer suas bundas e ir morar em outros lugares. Como a economia mundial vai naufragar com isso, Renato pensou (planejou) comprar ações de um país de estabilidade sólida como o gelo, dura como a rocha – a Noruega, um lugar com altas tendências de não perder nada com o degelo. As altas altitudes e a população litorânea em 2% farão da Noruega uma nova China nos anos próximos. Renato acertará e terá uma casa bem grande, com direito a ar condicionado turbinado e piscina com churrasqueira para as tardes de outono.

Assim, concluo esse relato. Um case de sucesso, um elogio ao brilhantismo. Você, que leu e prestou atenção em tudo, vai ver que Renato é um candidato forte. Um ser com planejamento na veia e que, mesmo entrando atrasado, vai ganhar essa corrida, que faz parte do decátlon da vida humana, onde só os fortes prevalecem e podem ter seus textos publicados pela Cosac depois de mortos. Ele chega lá.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O Gato e o Nada

Havia, há muito tempo, um gato que não tinha amigos. Também não tinha inimigos, nem pulgas. Não recebia carinho, nem era xingado. Nenhum cão jamais latiu para ele; o gato nunca correu atrás de um rato, tampouco afugentou uma pomba.

Nunca tomou leite, nem se lambeu. Nunca morou no telhado, nem comeu todas as gatinhas. Bigode – ao menos – ele tinha.

Tinha também pelos negros e olhos esquivos e verdes. Suas garras eram finas e compridas. Não aprendeu a miar, não sabe eriçar os pelos e não faz sua higiene numa caixa de areia.

Certa feita o gato estava rodando seu habitat, uma casa – vazia. Uma casa sem mobília e só paredes, nem portas a casa tinha. Da pintura pouco sobrara, o telhado estava rachado e as infiltrações encobriam o cheiro de capim do jardim. Muito mofo e vazio. A escada estava rompida no meio do caminho, o mofo a fez desmoronar; bastou o gato atingir o terceiro e último degrau para receber uma bola de ferro da demolidora – enfim ele ganhou alguma coisa.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Drible da vaca

Drible da vaca é assim: bola de um lado, zagueiro cara de boi no meio, e atacante voador do outro. Tocou, passou; quem resolveu ficar olhando viu navios.

De Brasil esse drible tem parentesco adotivo. Sábios são os corajosos toureiros espanhóis que trocam a bola pelo pano e o vôo pela altivez de ver o boi chifrudo passar lotado, rumo ao delírio da platéia.

Zagueiro que zanga, faz falta. Dá empurrão, deixa a perna. Toma amarelo e fica tudo em casa. Se bobear de cair na área, o drible fica mais salgado para o cara de boi engolir, olé!

Agora vá me cair numa das zanganças do chifrudo! Esse aí não perdoa e finca ódio. Toureiro toureado fica pior que zagueiro vazado, a estrela perde o brio e o boi chifrudo saí vencedor sem vencer, fica querido sem querer. Na tourada, o touro bate penalti.

*

Menina, se pensas que és muralha, um drible da vaca lhe dou. Sou flecha de ventos, minhas pernas são de grilo e meu corpo baila suave como o peixe.

Chifrudo, se queres meu fim, que venha com graça, pois se pensas em atropelar razão e sentimento vai ser pano na cabeça. De esquina te saco, na reta ataco. Finda sua corrida, minha calçada da fama.

Cara de boi morto, cara de vaca chifruda. Sou vaqueiro, sou toureiro. Sou atacante brasileiro.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

A pior parte de mim

Modéstia e banhas a parte, tenho apenas um defeito incorrigível. Uma parte de mim é torta aos meus olhos. Feia mesmo, um desastre. Coisa mais grave é quando eu comecei a achar isso uma coisa errada – mesmo nos outros. Costumo condenar os pés de amigos e desconhecidos. Eu mal consigo conviver com o meu.

De todos os desvios de caráter, canastrice ou má formação educativa que eu possa ter, nada se compara ao fado de ter um pé tão feio, tão incorrigível. Meu pé é minha janela para o inferno. Falo isso, pois mudo com o tempo. Um dia, quem sabe, possa eu me tornar uma pessoa mais doce, verdadeira. Um dia eu hei de ser meigo, mas meu pé não! Meu pé tende a ser cada vez mais feio. É a ciência natural dessas coisas; quando você ainda engatinha, seus pés são macios, um travesseirinho; é só começar a calçar chuteiras e os pés ficam deformados, as unhas crescem anamorficamente. Tudo vai para o vinagre. Você já viu um pé de velho? É a coisa mais feia do mundo. Não tem solução, o que a idade acrescenta em virtudes e experiência, ela mazela nos pés, orelhas e nariz.

Não consigo ver beneficio amoroso nenhum naqueles que por vício, tara, paixão ou doença, tem o prazer de beijar, lamber, acariciar os pés da pessoa amada. Isso é um ato nefasto, para não dizer jocoso. É um nojo só venerar a parte mais castigada do nosso corpo. O pé passa o dia dentro de meias e/ou sapatos; ele tem como função sustentar o nosso corpo, dar equilíbrio e suportar as topadas mais imbecis. O pé é, antes de tudo, um forte.

A carapuça pedóloga, sua derme e epiderme são imperfeitas. Acho que Deus encarregou seu estagiário de projetar os pés de Adão e Eva. Em suma, o pé é um rascunho da mão, cuja adaptação aos membros inferiores teve que chapar sua palma e encolher os dedos para que estes se parecessem mais com pequenos modelos de pães – dedão é um pão de queijo, os 3 do meio são pães franceses e o dedinho é um elogio a baguete.

Ó parte absurda de mim! Como és feio, como és perpétuo! Meu pé me assusta. O pé dos outros me dá medo. Um medo que se esconde em razão de ambientes e temperatura. O pé é o sinônimo da imperfeição da estirpe humana. O pé é o começo do fim, a raiz dos males terrenos.

domingo, 7 de outubro de 2007

Alguns filmes

Olá, estimado leitor assíduo desse tão irregular blog,

Agora você pode aumentar a carga de pedras que costumas atirar na minha pessoa. Fiz uma lista de filme essenciais. Pretensioso, eu? talvez.

Fiz um filtro, não coloquei nenhuma classificação por importância, pois os filmes são essenciais. Sugiro que alugues todos no mesmo fim de semana se dedique a vê-los o mais rápido possível.

Muitos ainda hão de entrar. Fiz essa lista rapidamente, assim com um pouco de desdém e um quê de vontade de impor um cânone cinematográfico para mim mesmo e para você, nobre leitor.

O que acha? Compartilhe, a lista fica aqui na lateral direita, só rolar.

Inté.

A ponto de bala

Lá estava ele, a ponto de bala. Não queria mais nada com ninguém, não devia nada. Não queria mais ouvir ou falar com ninguém. O que aconteceu? Estava cheio, cansado.

Um desassossego tomou seu corpo desde a manhã. O dia se perdeu e ele não sabia por quê. Passado, presente e futuro, ele não queria mais nada com nada. Não permaneceu imóvel, nem pensou em dar cabo da própria vida. Apenas estava cansado.

Por milhares de coisas que rondassem sua cabeça no momento, nada poderia alegrá-lo. Não queria novos amigos, novos amores, novas emoções. Não queria nada de novo, mas também rejeitava o velho. Culpara tudo o que passou e não acreditava que o que está por vir vai melhorar alguma coisa.

Não queria inovar mais uma vez, ao passo desses tempos em a renovação virou sinônimo de respiração. Sentiu sua cabeça cheia de coisas, mas vazia de vida. Como um aquário sem peixes.

Sem paciência. Não quis mais enxergar, não quis mais ler. Parou de aprender. Ele, uma pessoa tão radiante, de futuro marcado. Uma pessoa que teria tudo para seguir um caminho brilhante, parou. Não quis voltar, parou de andar para frente sem a preocupação de trilhar um rumo alternativo.

Ele não quis ver o que estava a sua frente, ficou lá apenas para esperar o que viria acontecer.
Quantas vezes quis que tudo acabasse subitamente! Como um homem barrado durante sua corrida, quis ser derrubado. Clamava pelo mundo que outrora o estimava para que este o erradicasse. Queria sumir. Pura e simplesmente desligar-se de tudo.

Estava a ponto de bala.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Sobre escrever certo em linhas curtas.

Minhas primeiras lembranças sobre viagens de ônibus datam de uns 10 anos atrás. Não me refiro aos ônibus escolares e a corja de pirralhos que promovia fanfarras mil nas excursões tão indispensáveis na formação de qualquer garoto.

Lembro-me de pegar ônibus para ir ao inglês, para ir ao shopping ou para ir até a casa de um amigo que morava na frente de um ponto de ônibus. Para mim, só existiam duas linhas: uma que ia à Faria Lima e outra que ia até o fim do mundo – mas o máximo que eu atingia era a Rua da Consolação. As outras linhas eram selvagens demais e os nomes estampados na frente dos veículos continuam sendo lugares místicos inventados por um redator da prefeitura, ou da CET (quem decide que um bairro irá chamar Jardim Colombo? Essas teorias hão de merecer um texto próprio no futuro).

O fato é que, selvagem ou não, os coletivos sempre foram um lugar para a leitura. Quem gostava de ler não tinha medo de solavancos, curvas fechadas, excesso de passageiros e nem mesmo de pessoas obesas que insistem dividir o acento. Dentro do ônibus lembro de muitos leitores de jornal e também de muitos afanadores de caderno que, com um jeito maroto, pediam para ler tal seção do colega pagante pelo diário.

Os tempos foram passando e os leitores foram desaparecendo. Há várias explicações possíveis para tal acontecimento: os leitores enriqueceram e hoje só usam carros é a menos provável delas. Acredito que os leitores não são tão apegados ao jornal tradicional, talvez por falta de tempo para ler aquelas reportagens enormes sobre o corte da Selic, talvez pela falta de conhecimento de mercado que os jornais apresentam até hoje. A crise dos jornais está aí. Muitos foram comprados, outros começaram a vender fofocas e outros a criá-las.

Hoje em dia é muito mais comum ver o povo lendo os tablóides modernos que lhes são distribuídos gratuitamente nos principais pontos de embarque da malha dos transportes públicos de São Paulo: estações de metro e de trem, terminais de ônibus e corredores importantes. Como uma blitz, os jornais que não chegam a ter umas 20 páginas são depositados nas mãos de quem estiver por perto. O conteúdo deles não é, digamos, abrangente. É incrível, passa-se um apanhado de notícias em poucas e pequenas páginas com fotos grandes. De política a esportes, os tablóides impressionam na sua fama ascendente, na brevidade ao tratar de temas que merecem devem ser aprofundados para sua (total) compreensão e na falta de credibilidade. Não estou dizendo que os novos jornais de rua são populistas, apenas são rasos.

Ser raso pode até ser o que os editores dessas novas publicações tenham como intenção. Falar pouco, por falta de tempo, mas falar de tudo, para atender a demanda diária de informações é o que eles querem (?), depois quem se interessou por uma notícia em especial que procure saber mais sobre ela. A teoria é bacana, mas fico em dúvida: isso é bom ou ruim? Vale informar uma pessoa com um hiper-condensado de notícias? Vale ser profundo e continuar no formato usual de jornais grandes dobrados sob nossas axilas?

Em alguns meses convivendo com os mini-jornais pude perceber o quão disponíveis eles são para a publicidade em geral. Conclui-se que o que é cobrado por eles deve ser realmente mais barato que a sua concorrência de produto – o jornal tradicional -, afinal muitos anunciantes de pequeno e médio porte conseguem anúncios consideravelmente significantes se comparados ao tamanho da publicação, a verba desses anunciantes e ao publico atingido.

O que me atormenta é a volatilidade dessa verba publicitária em tempos de eleições, por exemplo. Sem outdoors e com as panfletagens a vista da lei, os políticos tendem a focar suas verbas (nem sempre curtas) em propaganda para mídias antes nunca exploradas, como os tablóides. Minhas manhãs serão piores quando eu tiver o desprazer de folhar um tablóide recheado de caras, números e cores primárias de partidos que me dão náusea. Ainda tenho imaginação para relacionar um editorial fraco com verbas partidárias fortes, o que não só sujaria o espaço dos anúncios como também poderia micar as curtas linhas de notícias que esses tablóides oferecem de graça a sociedade da pressa.

Voltando ao fato da cobertura, é parte da teoria da comunicação que nunca se pode retransmitir um fato em sua total veracidade. Isso pode ser um argumento em defesa de qualquer publisher, mas requer atenção. Muitos jornais tiveram que dar o braço a torcer e encurtaram a carga intelectual de suas noticias e virou mais “povão”, ou seja, dar ao povo o que ele quer sem exigir muito raciocínio. Ao fazer isso, um jornal está assinando sua carta de suicídio, sua credibilidade jamais voltará a ser a mesma.

Também, deve-se ser flexível ao aportar a tradição sem ser chato. Os jornais de formatos clássicos estão em derrocada. Temo pelo seu grande patrimônio: os editoriais. A diferença de um jornal grande é seu editorial; por trás de um jornal grande está uma fundação, um conjunto de pessoas que zela pelo seu conteúdo impresso e preza pelo consumidor que paga por aquilo que acha que lhe é relevante. Panfletar um jornal novo, sem muita credibilidade e com um formato que nunca fez por merecer esse adjetivo é uma mecânica boa para informar ou manipular.

Se o foda do jornal ser grande é que ninguém terá tempo para ler tudo, reduzir o tamanho das notícias é uma saída tola, um erro grave.

Respeitar a inteligência da população é mais valioso que educá-la a ler em dois parágrafos o que necessita de 4 colunas para ser explicado. Tentar concentrar todas as notícias de uma vez só, é o mesmo que matar mosca a tiro de espingarda.

domingo, 16 de setembro de 2007

Duelos sentimentais

A calmaria de uma tarde se espalhou por todo o corpo minutos após a refeição. Todo domingo era mais ou menos igual àquele, a reviravolta estava próxima e seria cada vez mais inevitável.
Deu-se o tempo de trinta minutos e os carboidratos absorvidos já haviam sido sintetizados e emanavam energia de sobra, os sentimentos transbordaram a injeção dada pelos carboidratos e foi dada a largada para dissipar o montante de energia.

Começou pela visão, a televisão já não estava muito agradável: o futebol xoxo demais, o programa do Gugu era um museu da burrice nacional, nos canais de filmes só reprises de segunda, desenhos infantis não são mais os mesmos há anos e o efeito da MTV não detém mais a atenção. Deu-se aí um gosto peculiar pelo observar do poente pela varanda – a primeira grande luta; o tato entra em cena. O friozinho do vento despertou uma vontade imensa de sair à rua para andar, correr, suar, lavar e descansar. Ao mesmo tempo a visão tentava confortar-se na breve apreciação e, aliada da lembrança, fez uma tradicional manobra de recusar a ação às vias do manto nostálgico.

Apegada ao poder da primeira imagem e não tão treinada a uma profunda interpretação e aprendizado, a visão foi iludida pela lembrança – uma espécie de Pandora desse jogo -, um filme resgatado do místico labirinto das memórias foi ativado e retratava uma tarde igual na qual andar de skate foi certamente a melhor pedida do dia. Vitória momentânea para o tato. Skate em baixo dos braços e muitas ladeiras pela frente. Não seria assim tão fácil, os outros sentimentos deveriam conceder.

A ala da audição estava submissa a visão e a sua livre escolha de canais de televisão e reivindicou um incentivador a aventura iminente – Ipod. Atendido, o problema foi a escolha; o conselho da audição é formado por inumeráveis membros e nunca conseguem firmar um pacto comum. Absolutamente populistas, primam pelo poder de afogar a oposição quando certo gênero ou artista cai no gosto popular, ou seja, entra em harmonia com o resto do corpo. O conselho começou a crescer geometricamente com a MTV, ganhou maturidade pelo Napster e atingiu uma espécie de “Democracia Corintiana” por meio da necessidade mercadológica Ipod 30 Gigas.

Ipod na mão esquerda, skate no braço direito e uma bomba começou a ecoar pelo quarto: o celular. A audição e o tato ficam desbaratinados, pois estavam em reunião particular sobre qual som proporcionaria mais adrenalina e vontade de andar de skate. Celular berrando no quarto, atender a chamada virou urgência; o Ipod voltou à escrivaninha e o skate deitou-se no chão.

A conversa foi breve e imprescindível para os contornos do duelo sentimental pela dispersão das energias. Outrem a quem o corpo sentia uma atração especial ligou, conversou e, antes de desligar, marcou um café de fim de tarde. O corpo tinha uma hora para estar no local. A lembrança pregou uma peça e com agentes amorosos que iam do tesão ao amor platônico tão logo convenceu o tato e a audição que andar de skate era bom, mas uns amassos eram melhor e ouvir Ska chegou a ser a melhor coisa para se ouvir até o momento em que a voz d’outro corpo repercutiu ruidosamente pelos amplificadores do celular. Por um momento, toda a tarde pareceu uma tolice e a ligação chegou a ser nomeada como divisora de águas do momentum.

A prudência e a virtude, dois espíritos que controlam o vai-vém sentimental, alertaram que o passeio da tarde seria impossível mediante ao tempo que o corpo teria de diversão, estimado em vinte minutos, os outros quarenta estariam divididos em transporte, banho e escolha de trajes para o encontro.

O tato desanimou na hora, visto que tal sentimento tem predileção por emoções mais duradouras e não cansa fácil. Ao ouvir isso, o conselho auditivo optou por uma música mais tranqüila – o conselho auditivo e o Ipod têm uma relação estreita e, uma vez com o aparelho por perto, escuta-lo é quase uma obrigação.

A visão voltou com tudo e sugeriu uma leitura ou a volta à caixa televisiva para acompanhar o futebol, que a essa altura, deveria estar mais empolgante. O paladar tentou desviar a atenção geral e sugeriu um sorvete, mas foi logo isolado da arena, pois fora ele quem determinou qual o café e, sem muita luta, poderá desfrutar de uns beijinhos durante a noite.

Nos fóruns políticos das vontades, a preguiça tomou o microfone e, com o paladar no bolso, anunciou meia hora de gamorra e contenção dos carboidratos das energias, para que fossem utilizados mais sabiamente durante a noite. O consenso era quase certo, mas a lembrança pregou uma peça em todos ao lembrar de um trabalho chato que deveria ser entregue segunda de manhã, a discussão voltou a se acalorar quando a moral e o caráter alertaram para o futuro profissional do corpo.

Essas discussões dos fóruns políticos das vontades quase nunca afetam diretamente os rumos que os sentidos tomam, diga-se que o corpo em questão é deverás mal formado e as sínteses do cérebro levaram a formação de uma nação imediatista e pouco preocupada com o futuro, com a saúde, em dormir cedo e a ter disciplina. Nesse corpo, a moral é partido nanico e o caráter, mesmo tendo altíssimo valor, é quase sempre atropelado pelas vontades do chamado baixio hiperativo dos sentimentos.

Politicagem de lado, a visão conseguiu uma revista Veja para folhar, a audição escutava Bob Dylan, o paladar bebia água confortável, o tato se confinou ao tique de perna e o oufato estava em coma devido ao nariz entupido. Os minutos correram da Veja à Veja São Paulo. Pausas para ler os negritos e os olhos das páginas, dez minutos se foram como uma trégua.

Corpos familiares em formação genética começaram a querer roubar a atenção do nosso corpo-nação e a guerra foi sendo acalmada pelo fato de as respostas, para saírem automáticas, deveriam contar com as alas mais extremistas dos sentimentos sedadas, para não dispersar.

Assim o tempo correu e a visão perdeu mais tempo tentando convencer o tato de que o jeans 38 era muito mais agradável mesmo com o corpo calçar 40 e a audição relutou mais perdeu o direito de ouvir músicas enquanto o corpo estava desnudo escolhendo seus panos, o fato de não ter bolsos na pele e que escolher uma música e a roupa são atividades que requerem uma atenção exclusiva esclarecem a expulsão dos fones brancos dos ouvidos. Além do mais, a atividade de ir ao encontro pelado em com o ipod em uma das mãos foi considerada por unanimidade como mundana e desprovida de senso lógico. A guerra tomava veias mais mansas, os carboidratos estavam perdendo seu poderio, a munição acabou.

Os sentidos se uniram para que o carro fosse guiado sem presságios e o encontro foi muito bom. O paladar exigiu dentes escovados e que chicletes fossem estrategicamente comprados antes do encontro com o outro corpo – orçamento aprovado pelo fórum das vontades.

domingo, 9 de setembro de 2007

A incrível história do cachorro que tinha dois donos e subitamente morreu de fome.

- peça em um ato.

ATO I

“Como você esqueceu de dar comida para ele ?”

“Era o seu dia!”

”Toda quinta eu tenho rodízio e chego atrasado. Quando eu cheguei, ele já tinha morrido.”

“E de manhã? Você estava daqui de manhã.”

“De manhã eu fui comprar comida para ele, porque você me disse que tinha comprado ontem.”

“É. Ontem você falou que a comida estava sem validade. Fui comprar, mas seu cartão não passava.”

“Se ele não passou, foi por sua culpa; encheu a cara com ele na terça.”

“Na terça ele só passou metade, já estava bixado antes.”

“Segunda você pagou o condomínio com ele, ai bixou.”

“Eu paguei o condomínio com o meu; você que resolveu pagar a gasolina com o seu.”

“Eu só paguei com o meu, porque o SEU carro tava sem. Você vive saindo e esvazia o tanque.”

“Eu só esvazio o tanque porque levei o cachorro no veterinário, é muito longe. Ele não precisava ir toda semana.”

“Ele só vai porque você sempre esquece de comprar comida. Aí eu tive que dar a sem validade para ele no almoço.”

“Você veio aqui no almoço?”

“O cartão tava estourado, tive que comer aqui.”

- pano

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Falsos sentimentos

Sobre uma certa (in)gratidão por estudar a mecânica do mundo mercadológico.

Comecei minha vida acadêmica pelo lado errado da ESPM, fui Adm e agora quero ser redator publicitário, há nisso um certo viés de escolha. Não sou tão radical a ponto de ter ido para a FFLCH ou cinema, como muitos o fizeram, escolhi (me restou) como abrigo “para alcançar o meu sonho profissional” o mesmo lugar que antes eu repudiara por ter feito a escolha errada na época certa.

Se por um lado a Administração e seus números me espantaram, por outro o estudo mercadológico não só me persegue, mas parece ser ainda pior na formação dos publicitários da escola superior. Convenhamos que estudei muito mais publicidade que adm, mas mesmo assim não posso deixar de constatar: o marketing é muito mais martelado nas nossas cabeças de comunicadores por ser quase o único escopo da faculdade de comunicação social para o mundo businees.

Em administração, o foco é em marketing (digo isso dentro da ESPM), mas há diversos outros ramos que são bastante visitados e muitos saem dessa faculdade para vários lugares e áreas do humanitas - agências de propaganda inclusive. Esse relato leva a máxima que todos nós costumamos ouvir de parentes mais velhos e conservadores: a faculdade que todos deveriam fazer um dia. Assim como direito, medicina e engenharia - a velha trinca tradicional -, administração é quase tão polivalente como estas e a bolha do mundo business é a coisa que mais (cresce) chama atenção - esta é a minha versão de que ouvimos e vemos diariamente dentro da primeira escola de propaganda do Brasil.

A sobra dentro do manto da comunicação social para com o mundo empresarial é estudar mercadologia; uma escolha plausível de acordo com o interesse de cada um. O pior é que a matéria e seus fundamentos são constantemente impostos como verdade absoluta para todo o resto da grade. O marketing não deve ser menosprezado, nem pretendo dizer que 'o sonho acabou' para os que acreditaram na livre criação de idéias ou na simples possibilidade de tirar o seu próprio sustento de outra área que não seja aquela doutrinada por Kottler. Prezo pela formação de conceito e liberdade de escolha de grade - coisas que incrivelmente não ocorrem num lugar que nasceu atrelado a vanguarda do pensamento paulista, o MASP de Pietro Bardi. Não acredito no fato de termos uma educação tão fundamentada na venda como arte do marketing e da propaganda como um artifício funcional, quase gratuito, mecânico e hermético.

O que mais me choca é o fato de que o marketing é esticado ao limite e possui táticas por ora geniais, apesar de ferinas e até contestadoras na ética. O objetivo das empresas (isso não é uma crítica ao capitalismo e suas conseqüências) é ampliado em função de aparatos que forçam o papel do criativo ao de cúmplice no abuso com o público em questão. Atualmente, a idéia de capturar o consumidor onde quer que ele possa estar começa a me dar medo, a luta pela atenção chega a parecer maior que a luta por estabelecimento de mensagem e marca, o que em teoria, os criativos devem fazer.

Há sim, campanhas e empresas que acreditam numa comunicação não somente integrada, mas harmônica com seus consumidores. Digo harmônica no sentido de, mesmo retórica e repleta de convites, permite que o consumidor não seja taxado de trouxa ou não seja obrigado a ouvir, de sopetão, centenas de palavras de ofertas em 30 segundos, pior, com imagens chocantes que mais me lembram um videoclipe que um comercial – no caso, um videoclipe de puro mal gosto.

Acredito no diálogo do mercado com a massa populacional, não em eufemismos baratos para o estabelecimento de caráter “exclusivo” de uma marca com o seu público, vivemos em uma época industrial por princípio. Ouso dizer que Wahrol já fazia esse tipo de ironia quando imprima e pintava diversas latas de sopa, é a arte dialogando com o consumo em massa (não vou entrar nesse assunto).

Enfim, temo que o marketing faça da propaganda uma coisa até prazerosa, mas incrivelmente maniqueísta e sem formação de conteúdo cultural para a sociedade. Os comerciais do período 1980-90 são considerados os mais brilhantes da publicidade brasileira e não é a toa, carregavam cultura popular e não berravam pela atenção do telespectador.

Ok, hoje temos internet e o público é dispersivo, mas outras soluções são pensadas e pouco implementadas por falta de ousadia e desinteresse. Muitas vezes, em sala de aula, não sei se agradeço ou condeno de vez o fato de que eu saiba como o marketing funciona e quão banal e ofuscado ele pode ser.

Epopéia familiar

Abaixo a epopéia, para quem tem pelo menos 15 min para se apaixonar por esta saga.


Sou filho de Alberto Magno Lazarte Davini

Não estranhem, ele descende do ilustre Carlos Magno, o grande soberano das terras médias na idade das trevas. Há uma lenda no sul da Galícia, que Carlos era um varão, desde os 13 anos deixava uma filha em cada cidade que passava. Não demorou muito para se tornar imperador e consequentemente o primeiro ditador nepotista do Mundo, todas suas filhas cresceram sem pai e casaram logo e, assim, Carlos Magno teve que ceder parte das terras e do poder conquistado para cada um de seus genros. Isso durou até Carlos atingir os 30 anos quando sua face sombria tomou as rédeas de sua consciência e ele mandou matar todos os genros, bem, quase todos.

O único loquaz sobrevivente foi o catalão Alfredo Malazarte, avô de Pedro Malazarte - conhecido da literatura infanto-juvenil pelas suas peripécias e incrível poder de fuga. Pedro também herdou as peripécias procriadoras de seu avô merovíngio e proliferou como a peste negra pela Europa, sempre vivaz, sempre malaco.

Até a chegada do governo franquista, os Malazarte já estavam tão dispersos pelo mundo como os judeus, as baratas e as barraquetas de hot dog, foi aí que dona Dolores, minha tetra avó analfabeta e gaga nomeou apenas Lazarte ao escrivão do cartório. Seu filho, o pequeno Abelardo, seria um combatente tenaz da ditadura espanhola, amigo de Picasso, Amigo de Fredereich, amigo de muita gente, por isso fugiu às 6h da manhã de um domingo para a Argentina, a terra platina que tanto prometia aos perseguidos pelo impetuoso ditador.

Lá chegando cambiou seu nome para Luis e casou-se com Alice, a primeira mulher que lhe ofereceu um prato de comida sem chorizzo e alfajor de sobremesa. Cansados de ouvirem tango, o promissor casal resolveu fugir para o Brasil após uma carta-cojnvite de Friedereich e Havelanche, uma dupla assaz boleira - esporte que ainda engatinhava na Terra de Santa Cruz. Chegando as nossas terras fundaram o Esporte Clube Bosque Paulista, no bairro do Bom Retiro, que virou Clube dos Navegantes da Vila Zatti, e mais adiante Associação Esportiva Gondoleiros do Brás e desaguou no extinto Pequeninos do Taboão da Serra.

Não bastou o insucesso nos negócios e o primeiro filho do casal, Davino, morreu de um ataque fulminante assuntando a família, pois acontecera no mesmo mês da derrocada financeira do clã, da desilusão brasileira frente a final da copa contra o Uruguai, uma noite após Luiz Lazarte (o patriarca) quebrar três dedos do pé esquerdo topando na cama, ao sair do chuveiro. Para sair da zica, batizaram o próximo filho de Alberto Magno Lazarte Davini, em homenagem ao herdeiro póstumo. Esse é o lado paterno da minha epopéia familiar.

Se você ainda está acompanhando essa novela - que poderia ser também a versão brasileira d'Os Lusíadas - não pode deixar de acompanhar os momentos finais da minha história: o Lado Santoliquido.

Prejudicados pela fome e pelo frio que dominava Roma, os Santoliquidi não iam ao coliseu comer pão, pois tinham medo de lugares com multidões. A história relata que um tal de Manolus Santolquidi como o fundador da estirpe que não comia queijo, não usava as famosas sandálias Sicilianas e nem gostava de gladiadores. Desertores, segundo classificação de Pompéu (sec. IV A.C.), os Santoliquidi foram a Constantinopla vender uvas passa para os turcos ligadões no kebab. O negocio fracassou em duas semanas e Manolus passou a viver de cozinheiro em uma cantina.

Com a divisão em bizantinos e romanos, Manolus II, o pizzaiolo da mesma cantina onde seu pai fez história ao servir uma pizza de aliche sem queijo e com azeitonas pretas (uma heresia na época), foi convocado para unir-se a Gengis Kahn no domínio de Sparta (a terra dos 300). Aceito o convite, Manolus II torceu o joelho ao se deparar com Gerald Buttler e foi poupado por fazer uma bruschetta que deu o que falar ali naquela ilha varonil.

Agora na Grécia, os Santolquidi conheceram uma figura importantíssima para a formação do ente familiar que agora escreve estas linhas - no caso eu; no caso da persona, Helena, a musa de Manoel Carlos, o meu muso - daí a elipse. A partir do dia em que Manolus VIII conheceu Helena em uma Balada em Creta, ele se refugiou na escrita romântica e mudou-se para a região da Bratskvia, atual Finlândia, então sob domínio dos esquimós e yets. Sofrerá muito pelo fato de Helena ter sido raptada, seu amor fora apenas platônico.

Na Finlândia, minha parte errante da família perdurou até a invasão austro-húngaro, em medos do século XIX, quando Bismarck resolveu aniquilar todos os afáveis finlandeses por que eles não sabiam fazer sorvete de pistaches, seu pecado era a gula e o agente os pistaches. Desta forma Manolus XXX voltou para a Itália, para a região da Calábria por ouvir falar que lá as pessoas eram felizes e alegres, todos tinham direito a 10 m de extensão de praia e mais 2 acres de terras férteis e esposas fartas.

Daí para a fábrica de sapatos mocassin foi um pulo. As gerações de Manolus foram extintas quando o 34º filho não procriou nenhum homem, pois se casara com uma italiana do norte, a eterna praga dos sulistas, uma zica. Assim sugiram os nomes galantes como Giuseppe e Berdizzo, irmãos que morreram juntos em um rodeio, em 1900, e serviram de inspiração para os folhetins brasileiros. Com a guerra, Vicente Santoliquidi, serviu a Mussolini após ter sido recusado por Hitler, Churchill e Zskivarentrons (ditador da Finlândia recém independente do império Austro-Húngaro, após a queda de Bismarck). Vicente tinha uma mão menor do que a outra; todos nós (santoliquidis) também a temos - herança da fábrica de sapatos mocassins. Na época, ter uma mão menor do que a outra impossibilitava o manuseio de fuzis cabendo ao jovem Vicente cuidar do telefone de front. Após receber um trote, foi baleado na cabeça e por pouco não morreu.

Meu avô foi removido dos campos de batalha e mandado para Buenos Aires. No caminho, o navio fez uma pausa no porto de Santos para abastecer e Vicente, muito apertado, não prestou atenção nas informações do comandante que estabelecia 12 horas de parada. Vicente nunca mais voltaria ao navio e se estabeleceu em São Paulo por ouvir falar que ainda havia ouro depois da serra. Conheceu Chateubriant, pois era seu engraxate e apaixounou-se pela sua confeiteira, Carmelita. Da paixão ao casamento foram apenas 2 dias e entre seus filhos estava Silvana Santoliquido, minha mãe.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Entra o Santo Líquido

O blog começou e as postagens irão crescer a mesma razão das pombas lá da praça no verão ou dos ratos aqui do bueiro.

O Santo Líquido é parente próximo de outros materiais sacros, como o Santo Graal, a Santa Ceia, o Santa Aldeia e o São Cristóvão - time da segundona do campeonato carioca.

Obrigado a todos e boa viagem.
 
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