sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Time dos sonhos



Torcer para um time não é fácil. Você não sabe direito porque exatamente gosta tanto de um único time; como pode ele ser tão precioso quanto um vaso de cristal, tão importante quanto um filho e tão apaixonante como uma canção do Roberto?

Não sei responder a essas perguntas. Mas, como todo desbocado, sei fazer polêmica ou aumentar as intrigas que pintam por ai. E falando em pintar, o meu amigo Fë começou uma mania que promete: inventarmos o nosso time dos sonhos composto somente com personagens da mais tenra ficção.



Nisso vale tudo: livros, filmes, gibis, músicas, fanzines, catálogos do pedágio e outras mil fontes de personagens que tanto agradaram e agradam nossa cabeça desocupada.

E já pondo o meu time em prática, mirando o título da primeira divisão alagoana eu vos lanço o já eterno Clube Umbigulus de Futebol Entrópico, cujo apelido carinhoso é Cú de Fé, e a mascote uma Foca.

Assim como o seu criador, o Cú de Fé prima pelo bom gosto no vestir. Suas cores, rosa flamingo e azul grená dão o tom meninë babagento que ultrapassa os protocolos da virilidade futebolística e chegam para impor um estilo mais galante de pisar em campo e quicar a pelota.

Além do mais, o Umbigulus conta com a moderna estrutura do La Babadeira. Moderna construção inspirada na sede do Boca Juniors, o estádio construído é um remendo de uma cocheira. Sua fundação se dá sobre um cemitério indígena abandonado, daí talvez se explique o fato do Cu de Fé nunca ter perdido uma partida sequer na segunda divisão alagoana.



Agora, vamos ao time titular de 89, um plantel formado por craques dignos de placa. Uma tropa que marcou com boladas e jatos de sangue a história do futebol mundial. Inesquecível, meus amigos, essa formação do Clube Umbigulus de Futebol Entrópico:


Goleiro: A começar pelo arqueiro, temos uma imagem do requinte e da crueldade do Umbigulus. Balrog, o monstro do boxe, catava todas as bolas com suas mãos. Seus únicos problemas eram não cobrar tiro de meta e nem dar chutão, mas, naquela época, o futebol moleque permitia a bola atrasada da zaga para o goleiro. O que surpreendia era a sua saída de gol nos cruzamentos – sempre em mirabolantes voadoras manuais, não tinha um que ficava de pé.


Lateral esquerdo: Já dizia doutor Sócrates, “Lateral que é lateral tem que saber atacar e defender”. Essa foi a máxima usada pela comissão técnica do Cú de Fé para contratar um menino negro, que depois ficou branco e depois ficou louco. Michael Jackson traçava o lado esquerdo do campo e ainda cruzava bolas inacreditáveis com seus chutes afetadamente rápidos. Na hora de voltar, ia de Moonwalk, para marcar cara a cara o jogador adversário. Um verdadeiro ídolo pop das pelotas.

Zagueiro de formação: Depois de várias tentativas para achar alguém para a posição, o time encontrou um pequeno garoto mexicano rosado que gostava muito de comer. Apesar da obesidade e da voz fina, pensaram “Por que não?”. E não é que Majin Boo deu certo no futebol. O raciocínio foi simples, se ele come tudo, que ele coma os adversários, o juiz, a torcida. Enfim, um verdadeiro fanfarrão da linha de trás.

Beque central: Quem não se lembra de um bom beque? Cada um ao seu tempo, um beque descente é digno de suspiros de saudades. No Umbigulus, o Capitão Presença era aquele típico beque idolatrado pela torcida. Seu porte lascivo e seu temperamento manso faziam dele um homem de pouca ação e muitas palavras. A crítica reclamava da sua lentidão e do seu modo prolixo de tirar a bola da fogueira e ainda querer ensinar ao adversário como plantar unzinho no quintal. Onde tinha fumaça, tinha o Presença.

Lateral direito: Capitão do time tem que saber falar. Capitão do time tem que saber defender os companheiros. Um dos ídolos da torcida, o Homem Pássaro, formou-se em direito. Foi para Harvard, depois Oxford. Cansou da vida corporativa e resolveu se dedicar a sua paixão, o futebol. Sua expertise no tribunal o ajuda na cartolagem dentro das quatro linhas. Seu desempenho é excelente, a não ser em jogos nublados.

Quinto zagueiro ou volante de origem: Se tinha um jogador que ajudou a definir melhor a posição de quinto zagueiro, este foi o Dark Knight, do filme Monty Phyton e o Cálice Sagrado. Quanta disposição para a briga! Quanta garra! Que raça! Passar por ele era uma tarefa para poucos. Mesmo contundido, o Dark Knight se orgulha de nunca ter sido substituído em nenhuma partida sequer.


Ponta esquerda: Nunca tinha visto um jogador tão polido desde Alex Kid. Este menino sabia o que queria e era um verdadeiro diplomata dos gramados. Faturava todas as divididas num simples jogo de jô-ken-pô. Nenhum adversário resistia ao charme deste pequeno, cujo mullets tão característicos eram o terror da mulherada.

Meia: O homem da criação. A bola passa por ele em qualquer jogada. Para essa tão nobre posição, só homem como Presto para desempenhar a função do mago da equipe. Conhecido pelas constantes crises de perda de foco, o homem do chapéu verde era responsável pelas jogadas mais dramáticas nos momentos de tensão, como tirar um elefante no meio de um contra-ataque, ou convocar um enxame de abelhas em pleno escanteio ofensivo.

Ala direita: Esse é fera. O verdadeiro bad boy do time, Mr. Blonde nunca deixou os gramados sem um cartão – normalmente vermelho, normalmente após decepar a orelha do adversário, normalmente após um bom tiroteio. Escalado após o brilhante papel em Cães de Aluguel, ele é conhecido por fumar em pleno jogo e apagar o cigarro na testa do árbitro.

Centroavante: Costumam achar que todo centroavante é um cara ligeiro, sagaz. Mas no Umbigulus, o Marshmallow Man, do filme Ghost busters, era o melhor na posição. Demoníaco, com cara de ingênuo, alucinado, lento como um caramujo e letal como uma ogiva atômica era o terror da grande área.

Atacante ou cabeça de área: O homem-gol não poderia ser outro que não agregasse tantas qualidades, que em pleno 1989, seriam verdadeiras tendências para o futuro. Baixinho como o Romário, matador como o Edmundo, gordo como Ronaldo e banheirista como Diego Tardelli. O Homem Mola era um atacante a frente do seu tempo. Bola na área? É com ele. Marcação da zaga rival? Ele estica a perna e pega. Esse não perdia uma e ainda fazia coreografias à la Beach Boys a cada tento.

Técnico ou professor ou mestre: A inteligência do time ficava a cargo de Zordon, o homem espelho. Com sua voz de veludo ele orientava essa salada de criaturas e liderou o time pelas mais duras pelejas. Históricas vitórias, partidas delirantes que paravam todo o Alagoas e Zordon ficava ali, tranqüilo, numa boa. Quando a energia acabava, o mestre perdia o sinal e as orientações ficavam a cargo de Gorpo, seu primeiro imediato.

Ufa!

Um time desses só poderia entrar para os anais do futebol clássico, bem jogado. De forma que não vemos mais isso hoje.

É nessas que eu deixo você leitor. Afinal, como diria o patriarca do time, Aloísio, “Se subrar uma bulinha, tem que meter pra gol.”.



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Um abraço d’O Santo Líquido.

- imagem da capa de Claudio Tozzi, pop à brasileira.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Daqui não passa

Estava ali um menino, na sala, sozinho. Ele tinha a missão mais chula da piada barata: apagar a luz. E lá estava ele por ser o último a sair.

Esse menino olhou bem para todos os bancos desarrumados. Todos canetados, com desenhos mal-feitos e anotações. Uns assentos estavam carcomidos, outros mais ajeitadinhos – eram diferentes e definitivamente não eram iguais aqueles da sala do outro lado do corredor. Não se pareciam com nenhum outro conjunto de bancos de sala de todo o prédio.

Até hoje esse menino não sabe explicar o que o fez ficar naquela sala vazia por tanto tempo. Se foi a lousa rabiscada, o lixo espalhado no chão ou as pecunímias que, por ventura, um ou outro aluno deixou por ali. O silencio iluminado por aquelas luzes brancas e secas dava um tom de apreensão – era preciso fazer alguma coisa.

O menino não pensou duas vezes e se pôs a sentar em cada uma das cadeiras. Sentava e lá ficava tentando se aconchegar mexendo os ombros, a bunda e a coluna. Sentava porque queria ver o que estava desenhado na prancheta da bancada, tentou entender um a um, suas formas e suas razões. Sentia que todos aqueles rabiscos o comoviam.

Alguns desses desenhos o fizeram rir, outros tantos o pregaram na cadeira por razões desconhecidas, mas encantadoras. O tempo foi passando e o menino não mais lembrava quem estava sentado em cada cadeira na hora da aula, ou a ordem, ou ao menos se essas cadeiras tinham sido manchadas nessa ou naquela aula.

Viu então que no dia seguinte a sala estaria arrumada novamente. A lousa seria apagada, as cadeiras ordenadas – talvez até limpas – e a luz seria acesa para mais uma temporada de estudos. Viu que era tão pequeno quanto as pontas de caneta e os papeis jogados pelo chão. Viu que toda aquela atmosfera, por mais insignificante que fosse, nunca mais seria a mesma.

Daí começou a lembrar de todos os alunos novamente. Não como pessoas físicas de cara e bocas. Mas sim como sensações, vozes, risadas, olhares e toques. Esqueceu-se dos nomes para ficar apenas com o sopro de cada um que estava ali. O esforço foi tanto que viu a sala novamente em aula, viu as cadeiras ruindo para ajeitarem aqueles alunos inquietos e teimosos. O vai e vem da conversa e até os desenhos continuaram. A lousa pipocava em riscos e rabiscos. Estava tudo ali, vivo, dentro daquela sala vazia.

Levantou-se, apagou a luz e não quis saber do dia seguinte.
 
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