terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Um dia na feira

Alimentos, temperos, rodas, tampas de panela de pressão; nada como um dia na feira para comprar essas coisas tão essenciais a existência humana.

A feira livre é um convite a distração e ao caos urbano. Como é cosmopolita a feira da minha rua: a entrada é dividida entre uma colônia japonesa do pastel e um agregado de ex-trabalhadores bóias frias, que desistiram de cortar cana para vender o caldo da mesma. Nas primeiras barracas vendem-se artigos de manutenção e tunning de carrinhos de feiras – tão solícitos às velhinhas e às domésticas. Os responsáveis por essas barracas são, em grande parte, torneiros mecânicos que perderam o emprego nos anos 80 no ABC e não conseguiram galgar a presidência da república ou nem ao menos chegaram ao sindicato.

Continuando nosso world tour temos as barracas de queijos, estas controladas por uma máfia de descendentes de italianos com direito a sotaque forte da Calábria e muita banha no braço das suas senhoras mães e esposas. Os descontos só são concedidos para quem prove que também remete a pátria da pizza e do spaggeti. Depois, vem a barraca dos temperos e estas, por se tratar de um terreno ainda deverás nebuloso para o cidadão brasileiro, são ocupadas por mulheres viúvas, que coabitam entre gatos e corvos; sim, são bruxas. Só podem ser bruxas ou ex-hippies que, por seqüelas ou crença ferrenha no movimento, ainda não desapegaram-se das vestimentas mambembes e da fala quase semiótica.

Ainda temos as barracas do tão amáveis peixes de feira. Um domínio oriental por excelência. Não me pergunte de onde vem o gelo e como ele se mantém por mais de 6 horas de feira com sol escaldante, nem como os peixes da feira são grandes e, seu estoque, infinito. Agora se o papel jornal é o melhor lugar para se conservar um peixe com mais de 2 metros de envergadura ou como dentro de cada exemplar marinho ainda encontra-se água (ou gelo) de modo à peça ficar mais pesada; a isso eu não tenho resposta.

Chegamos ao prato principal da feira livre: as frutas, os legumes, as verduras; as dúzias, as meia-dúzias, as pechinchas, ao leve-3-pague-2, ao deixa eu dar uma experimentada; por ai vai.

As cores e a gritaria parecem não ter fim. Para onde se olhe, as pessoas querem chamar sua atenção com gritos e gesticulações. Feirantes videntes parecem interpretar pensamentos e, ora já embrulham o produto, ora viram-se para outros fregueses, como se você, em menos de 1 segundo, você já dissesse Não, obrigado; mesmo que o que você tinha em mente era perguntar o preço do quilo, ou onde ficava o banheiro.

O profissional de feira, um tipo experiente, não perde tempo com clientes menores como eu ou você, eles querem as donas de casa com carrinhos volumosos ou velhinhas com bolsas de tamanho semelhante. Jovens, casais, office boys e pessoas em geral, só dão trabalho, pois insistem em pechinchar, em usar e abusar do sotaque paulista. O feirante, meus caros, não é bobo e tira todo mundo de letra, ele deve ter uma cota de vendas imaginária e por isso se não conseguir (ou perceber que não vai) vender nos 5 primeiros segundos de contato, passa a ignorar o mané que ulule na frente da sua barraca.

Outro fato que chama a atenção na organização desse micro espaço é a sua economia peculiar. Não estou falando do mercado de negócios entre empresas – B2B, nem mesmo do comércio formal de empresas com consumidores (seja por lojas próprias ou varejo), tampouco quero me referir ao comércio do mercado irregular, da pirataria.

O comerciante de feira tem uma política econômica que contempla a insana busca por descontos e, em muitos casos, a verborragia e a negociata funciona sim e se leva 4 pagando 2 – inda mais no fim de feira; não por acaso, o consumidor e o feirante, quando em sintonia, saem amigos só faltando um convite para jantar na casa do outro ou de tomar um chopinho numa hora dessas, devemos atentar para afinidades como torcer para o mesmo time da camiseta do feirante alvo, o que pode lhe render muitas vantagens econômicas e informações valiosíssimas, como Não vai na barraca do Anderson não, que tá tudo estragado. A economia do feirante é a de venda por escala, mas é quase impossível, ao gastar mais de R$10 numa barraca, não cair de amores e trocar algumas palavras entusiasmadas com o nosso tão retórico feirante.

O ponto da localização da feira é fundamental para o seu sucesso. Já vi feiras em viadutos, embaixo de pontes, em rotatórias gigantes, em praças, em estacionamentos. Mas verdade seja dita: a feira de rua é um sucesso. Digo a feira que toma de assalto as ruas alheias da nossa cidade. A feira que tomba caixas e caixotes às 4 da manhã. A feira que desperta sutilmente os moradores da rua tomada às 6 com gritos de Olha’o tomate! Olha’o tomate!

Sob um olhar de um biólogo, os feirantes se reúnem tão rapidamente, de forma tão uniforme, que perecem ser urubus atraídos pela carne de um hipopótamo em estado de putrefação ou como formigas se lançam a caça de um bolo de casamento que acidentalmente acabara de cair próximo ao formigueiro.

A questão é que por mais distante um do outro que os feirantes possam morar, eles se reúnem no mesmo local, na mesma hora e, após 10 minutos, dão fim aos seus caminhões. Na certa os escondem em estacionamentos secretos, em cumplicidade aos moradores que margeiam a feira. Como em filmes de ação, os feirantes sabem esconder caminhões, sujeira, armas, escravos bolivianos e cadáveres dos seus inimigos. Se você já viu o filme 60 Segundos, ainda não tem noção de quão dinâmica pode ser o processo de pilhagem e esconderijo de simples feirantes.

Arriscar-se numa feira livre é conhecer o último resquício babilônico na cidade ou um convite para refrescar-se ao tomar um caldo de cana com limão, com gostinho de abacaxi, que pode vir a ser tamarindo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Além do bem e do mal

Noutro dia lembrei de quando as pessoas mais velhas me fitavam do alto e diziam Aê galerinha do mal. Tapinha nas gostas e afagos na cuca seguiam essas palavras quase que automaticamente. Eu sorria e falava para mim mesmo Eu não sou “do mal”. Nunca me permitia ser ouvido e pensava comigo mesmo, O que é ser do mal?

Aos 10 anos, ser do mal era combater os Cavaleiros do Zodíaco ou ser o chefão final do jogo em que você perde 4 horas queimando seus dedos para alcançar e, em 5 minutos e muitas vidas e continues depois, te esmiralha e ri disso com a tarja Game Over piscando. Ser do mal era isso. Era ser da turma mais velha que tomava a quadra de jogar bola nos intervalos com o discurso de que Somos mais fortes e mais velhos (nessa ordem), vão jogar em outro lugar!

Fui crescendo com alguns arquétipos sobre o que era mau e o que era bom. Cuspir no chão pode ser emocionante quando, aos 14, se aprende a extrair o próprio catarro dos pulmões, mas é mal; roubar a quadra do futebol da turma de 10 anos tem gosto de vingança, mas é mal; matar aula é mal; roubar balas nas docerias era emocionante, contudo mal, muito mal (depois quem vai pagar por isso?).

Como você é mal. Que maldade. Quem já ouviu isso sempre titubeou entre um sorriso sarcástico indisfarçável e o remorso imediato por expor traços delinqüentes em público. O sentimento de culpa pode variar de acordo com o delito, por exemplo, se você atropela um sapo, de propósito, uma vez recriminado, a culpa pode de deixar até sem graça. No caso de atropelar uma senhora de idade a fim de ganhar dinheiro ou pontos para a próxima fase, desperta o mais maléfico dos semblantes em quem estiver segurando o joystick. Ser mal pode ser bom, ou mau.

Mas outro dia mesmo, ouvi Como vai a Galerinha do Mal? O que responder? Agora me considero um homem regulado, pleno nas minhas escolhas, responsável pelas minhas atitudes. Pensei em algo como: Eu nunca fui "do mal", tio, eu não fumo crack. Talvez seja esse o tipo de resposta que eu sempre quis ter dado, mas nunca tive coragem, porque não sou da turma do mal. Os maus têm como índole a ousadia e a coragem, e é nessas horas que tais coisas aparecem mais nitidamente, na hora de responder com sarcasmo e sem respeito a um chiste – principalmente se for provocado por alguém mais velho, que inspire ordem e superioridade moral.

Os melhores maus são aqueles que detonam com a velha guarda dos conceitos arcaicos. Não por acaso caem nas graças do povo e, com o tempo, invariavelmente, podem ser absorvidos pela sociedade, não como algo venal, mas como uma questão de atitude selvagem. Assim nos atraímos por rockstars, grafiteiros, pilotos de f1 malacos, e apresentadores polêmicos; no geral, artistas que vivem nos excessos. Normalmente quem desvia os costumes (para o lado mal) ganha com isso, ou morre de overdose.

Essa parcela de pessoas, porém, é muito pequena. A ordem do mundo pode ser mantida pelas pessoas que são, e se conformam em ser, do bem. Aqueles que primam pelos bons costumes mandam no mundo, nas coisas, nas leis; enfim, ditam as regras. Eles podem até ter o seu lado mal, mas são muito mais benevolentes que malévolos. Digo isso porque imagino a mente do Nelson, dos Simpsons, um cara mau por natureza e caricatunização, em pessoas como o Kim Jong-Il, ditador (dono) da Coréia do Note ligando para o Mahmoud Ahmadijad presidente (proprietário) do Irã. Em uma ligação, eles podem acabar com o mundo, ou seja, são maus, mas poderiam ser ainda piores, ao passo de ainda manterem uma chama do bem nas suas devidas proporções.

Eu não sou da turma do bem, mas ser da turma do mal é muito ser do PCC, ser da al Qaeda ou ser usuário de drogas (?). Fumar crack é mal, atirar em policiais é muito mal, detonar dois arranha céus é quase o cúmulo da maldade. Ser mal deve vir com o indivíduo. Ser mal é uma questão de excesso de bondade a qual muitos são marginalizados?

Entre o bem e o mal, saio isento. Impossível não ter maldade, impraticável é ser bom o tempo inteiro. Só acho errado subjugar alguém, por mais que tente soar interessante, e fale ao léu: Como estão as coisas com a turma do mal? Quanta malandragem, quanta sagacidade. Somos maus, somos malandros, somos marginais. Eu não. Perdeu, playboy.

PS: E as diferenças entre o mal e o mau? Acertei na gramática? Essas ficam para a próxima.

 
BlogBlogs.Com.Br