sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Time dos sonhos



Torcer para um time não é fácil. Você não sabe direito porque exatamente gosta tanto de um único time; como pode ele ser tão precioso quanto um vaso de cristal, tão importante quanto um filho e tão apaixonante como uma canção do Roberto?

Não sei responder a essas perguntas. Mas, como todo desbocado, sei fazer polêmica ou aumentar as intrigas que pintam por ai. E falando em pintar, o meu amigo Fë começou uma mania que promete: inventarmos o nosso time dos sonhos composto somente com personagens da mais tenra ficção.



Nisso vale tudo: livros, filmes, gibis, músicas, fanzines, catálogos do pedágio e outras mil fontes de personagens que tanto agradaram e agradam nossa cabeça desocupada.

E já pondo o meu time em prática, mirando o título da primeira divisão alagoana eu vos lanço o já eterno Clube Umbigulus de Futebol Entrópico, cujo apelido carinhoso é Cú de Fé, e a mascote uma Foca.

Assim como o seu criador, o Cú de Fé prima pelo bom gosto no vestir. Suas cores, rosa flamingo e azul grená dão o tom meninë babagento que ultrapassa os protocolos da virilidade futebolística e chegam para impor um estilo mais galante de pisar em campo e quicar a pelota.

Além do mais, o Umbigulus conta com a moderna estrutura do La Babadeira. Moderna construção inspirada na sede do Boca Juniors, o estádio construído é um remendo de uma cocheira. Sua fundação se dá sobre um cemitério indígena abandonado, daí talvez se explique o fato do Cu de Fé nunca ter perdido uma partida sequer na segunda divisão alagoana.



Agora, vamos ao time titular de 89, um plantel formado por craques dignos de placa. Uma tropa que marcou com boladas e jatos de sangue a história do futebol mundial. Inesquecível, meus amigos, essa formação do Clube Umbigulus de Futebol Entrópico:


Goleiro: A começar pelo arqueiro, temos uma imagem do requinte e da crueldade do Umbigulus. Balrog, o monstro do boxe, catava todas as bolas com suas mãos. Seus únicos problemas eram não cobrar tiro de meta e nem dar chutão, mas, naquela época, o futebol moleque permitia a bola atrasada da zaga para o goleiro. O que surpreendia era a sua saída de gol nos cruzamentos – sempre em mirabolantes voadoras manuais, não tinha um que ficava de pé.


Lateral esquerdo: Já dizia doutor Sócrates, “Lateral que é lateral tem que saber atacar e defender”. Essa foi a máxima usada pela comissão técnica do Cú de Fé para contratar um menino negro, que depois ficou branco e depois ficou louco. Michael Jackson traçava o lado esquerdo do campo e ainda cruzava bolas inacreditáveis com seus chutes afetadamente rápidos. Na hora de voltar, ia de Moonwalk, para marcar cara a cara o jogador adversário. Um verdadeiro ídolo pop das pelotas.

Zagueiro de formação: Depois de várias tentativas para achar alguém para a posição, o time encontrou um pequeno garoto mexicano rosado que gostava muito de comer. Apesar da obesidade e da voz fina, pensaram “Por que não?”. E não é que Majin Boo deu certo no futebol. O raciocínio foi simples, se ele come tudo, que ele coma os adversários, o juiz, a torcida. Enfim, um verdadeiro fanfarrão da linha de trás.

Beque central: Quem não se lembra de um bom beque? Cada um ao seu tempo, um beque descente é digno de suspiros de saudades. No Umbigulus, o Capitão Presença era aquele típico beque idolatrado pela torcida. Seu porte lascivo e seu temperamento manso faziam dele um homem de pouca ação e muitas palavras. A crítica reclamava da sua lentidão e do seu modo prolixo de tirar a bola da fogueira e ainda querer ensinar ao adversário como plantar unzinho no quintal. Onde tinha fumaça, tinha o Presença.

Lateral direito: Capitão do time tem que saber falar. Capitão do time tem que saber defender os companheiros. Um dos ídolos da torcida, o Homem Pássaro, formou-se em direito. Foi para Harvard, depois Oxford. Cansou da vida corporativa e resolveu se dedicar a sua paixão, o futebol. Sua expertise no tribunal o ajuda na cartolagem dentro das quatro linhas. Seu desempenho é excelente, a não ser em jogos nublados.

Quinto zagueiro ou volante de origem: Se tinha um jogador que ajudou a definir melhor a posição de quinto zagueiro, este foi o Dark Knight, do filme Monty Phyton e o Cálice Sagrado. Quanta disposição para a briga! Quanta garra! Que raça! Passar por ele era uma tarefa para poucos. Mesmo contundido, o Dark Knight se orgulha de nunca ter sido substituído em nenhuma partida sequer.


Ponta esquerda: Nunca tinha visto um jogador tão polido desde Alex Kid. Este menino sabia o que queria e era um verdadeiro diplomata dos gramados. Faturava todas as divididas num simples jogo de jô-ken-pô. Nenhum adversário resistia ao charme deste pequeno, cujo mullets tão característicos eram o terror da mulherada.

Meia: O homem da criação. A bola passa por ele em qualquer jogada. Para essa tão nobre posição, só homem como Presto para desempenhar a função do mago da equipe. Conhecido pelas constantes crises de perda de foco, o homem do chapéu verde era responsável pelas jogadas mais dramáticas nos momentos de tensão, como tirar um elefante no meio de um contra-ataque, ou convocar um enxame de abelhas em pleno escanteio ofensivo.

Ala direita: Esse é fera. O verdadeiro bad boy do time, Mr. Blonde nunca deixou os gramados sem um cartão – normalmente vermelho, normalmente após decepar a orelha do adversário, normalmente após um bom tiroteio. Escalado após o brilhante papel em Cães de Aluguel, ele é conhecido por fumar em pleno jogo e apagar o cigarro na testa do árbitro.

Centroavante: Costumam achar que todo centroavante é um cara ligeiro, sagaz. Mas no Umbigulus, o Marshmallow Man, do filme Ghost busters, era o melhor na posição. Demoníaco, com cara de ingênuo, alucinado, lento como um caramujo e letal como uma ogiva atômica era o terror da grande área.

Atacante ou cabeça de área: O homem-gol não poderia ser outro que não agregasse tantas qualidades, que em pleno 1989, seriam verdadeiras tendências para o futuro. Baixinho como o Romário, matador como o Edmundo, gordo como Ronaldo e banheirista como Diego Tardelli. O Homem Mola era um atacante a frente do seu tempo. Bola na área? É com ele. Marcação da zaga rival? Ele estica a perna e pega. Esse não perdia uma e ainda fazia coreografias à la Beach Boys a cada tento.

Técnico ou professor ou mestre: A inteligência do time ficava a cargo de Zordon, o homem espelho. Com sua voz de veludo ele orientava essa salada de criaturas e liderou o time pelas mais duras pelejas. Históricas vitórias, partidas delirantes que paravam todo o Alagoas e Zordon ficava ali, tranqüilo, numa boa. Quando a energia acabava, o mestre perdia o sinal e as orientações ficavam a cargo de Gorpo, seu primeiro imediato.

Ufa!

Um time desses só poderia entrar para os anais do futebol clássico, bem jogado. De forma que não vemos mais isso hoje.

É nessas que eu deixo você leitor. Afinal, como diria o patriarca do time, Aloísio, “Se subrar uma bulinha, tem que meter pra gol.”.



Gostou? Continue esse MeMe.

Um abraço d’O Santo Líquido.

- imagem da capa de Claudio Tozzi, pop à brasileira.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Daqui não passa

Estava ali um menino, na sala, sozinho. Ele tinha a missão mais chula da piada barata: apagar a luz. E lá estava ele por ser o último a sair.

Esse menino olhou bem para todos os bancos desarrumados. Todos canetados, com desenhos mal-feitos e anotações. Uns assentos estavam carcomidos, outros mais ajeitadinhos – eram diferentes e definitivamente não eram iguais aqueles da sala do outro lado do corredor. Não se pareciam com nenhum outro conjunto de bancos de sala de todo o prédio.

Até hoje esse menino não sabe explicar o que o fez ficar naquela sala vazia por tanto tempo. Se foi a lousa rabiscada, o lixo espalhado no chão ou as pecunímias que, por ventura, um ou outro aluno deixou por ali. O silencio iluminado por aquelas luzes brancas e secas dava um tom de apreensão – era preciso fazer alguma coisa.

O menino não pensou duas vezes e se pôs a sentar em cada uma das cadeiras. Sentava e lá ficava tentando se aconchegar mexendo os ombros, a bunda e a coluna. Sentava porque queria ver o que estava desenhado na prancheta da bancada, tentou entender um a um, suas formas e suas razões. Sentia que todos aqueles rabiscos o comoviam.

Alguns desses desenhos o fizeram rir, outros tantos o pregaram na cadeira por razões desconhecidas, mas encantadoras. O tempo foi passando e o menino não mais lembrava quem estava sentado em cada cadeira na hora da aula, ou a ordem, ou ao menos se essas cadeiras tinham sido manchadas nessa ou naquela aula.

Viu então que no dia seguinte a sala estaria arrumada novamente. A lousa seria apagada, as cadeiras ordenadas – talvez até limpas – e a luz seria acesa para mais uma temporada de estudos. Viu que era tão pequeno quanto as pontas de caneta e os papeis jogados pelo chão. Viu que toda aquela atmosfera, por mais insignificante que fosse, nunca mais seria a mesma.

Daí começou a lembrar de todos os alunos novamente. Não como pessoas físicas de cara e bocas. Mas sim como sensações, vozes, risadas, olhares e toques. Esqueceu-se dos nomes para ficar apenas com o sopro de cada um que estava ali. O esforço foi tanto que viu a sala novamente em aula, viu as cadeiras ruindo para ajeitarem aqueles alunos inquietos e teimosos. O vai e vem da conversa e até os desenhos continuaram. A lousa pipocava em riscos e rabiscos. Estava tudo ali, vivo, dentro daquela sala vazia.

Levantou-se, apagou a luz e não quis saber do dia seguinte.

domingo, 26 de outubro de 2008

Segundo turno*




O casal

Nesse segundo turno eles completaram 3 meses juntos. Conheceram-se através de um amigo, na rebordose das férias. Na praia, Ilha Bela. Logo na primeira noite beijaram-se. Duas semanas depois estavam namorando. Foi realmente rápido. Eles não ligam, e se dão bem.

O casal guardou para este último fim de semana de Outubro a volta à Ilha Bela mesmo. E as eleições? Não importa. Ilha Bela é mais importante; eles não estavam retomando o namoro, estavam fugindo. Seus sonhos valem mais que a tragédia eleitoral. Ela Topou o convite na hora.

No primeiro turno saíram para comemorar 2 meses. Cinema seguido de um japa. Tudo as mil maravilhas. Ele não lembra em quem votou para deputado e senador. Presidente: nulo – está revoltado com o lodo político e, na verdade, não deu a mínima para as campanhas, só votou nulo porque seu pai o fez.

Ela avisou os pais: “Vou pra Ilha. Não vou votar.”, eles hesitaram, mas não ofereceram resistência. Porque, antes de tudo, não acreditam no Segundo Turno, são chatos e conhecem bem o interminável domingo de eleições. Preferem esconder da filha o único domingo onde não há alegria. As pessoas inesperadamente ficam sem fé. Anacrônicas. O domingo é verdadeiramente humilhante. Os pais dela não dão futuro para o namoro, mas iriam juntos com o casal se fossem convidados.

A estrada na sexta estava vazia. O fim de semana prometia Sol. “Vou transferir meu título para a praia.”, quebrava o gelo. Tudo estava perfeito. As mazelas da nação são menores que a necessidade de ouvir a voz do outro. Os escândalos, as falcatruas, as campanhas eleitorais, a banalização do voto; nada disso importava para eles. A paixão e a conveniência da praia - suas lembranças e seu papel na historia do romance - valem mais que tentar salvar o país.

No quarto do hotel havia uma chama. Uma chama de amor e esperança que brilhava aparte das trevas que o país passava. Ele e ela podem ser os mais lúcidos da população. Os mais negligentes talvéz. Ou apenas contentes. Foi o melhor domingo de suas vidas.


O Azarado

Ele nunca teve sorte. Não ganhava nada. Nem bingo de acampamento. Nunca achou nada nas raspadinhas. Nunca encontrou um palito de sorvete premiado. No amigo secreto, aquele colega que esquecia do presente sempre era o que tinha tirado o seu nome.

Para essas eleições, não deu outra: mesário. Mal basta tirar o título e a carta do governo solicitando a sua apresentação para o treinamento dos mesários aparece debaixo do capacho. Parece até de propósito. Ele fez 18 anos e só não pegou exercito porque seu pé era chato e tinha escoliose. Sorte? Azar dele.

Como mesário teve de esquecer a saída com os amigos no sábado. Duas vezes. Segundo turno. Tudo de novo: as mesmas pessoas, o mesmo papo (“Titulo na mão. Documento. É pra deixar o celular desligado, ok?”), a mesma coreografia, a mesma paciência e a mesma mixaria – 12 reais – para o almoço. Mais um domingo que se vai. Azar? Azar dele, “Não há nada pior que ser mesário.”, pensava.

Era inevitável lembrar de alguns rostos. Quando a mesma senhora lhe perguntou quem eram os candidatos – pela segunda vez – ele se segurou para não chorar. Ele deu muita risada daqueles que vieram de pijama. Dos que confirmavam o voto e se arrependiam na hora, pareciam todos com Homer Simpson quando soltava o seu famoso: “Duh!”. Um ou outro candidato a deputado votava na sua seção. Pareceram estar mais desanimados que no primeiro turno, sem broches, adesivos e a comissão de familiares e amigos. Devem ter perdido. “Azar deles.”.

Ele não acredita muito no Brasil. Está acostumado a ver os outros darem mais sorte do que ele, mas sabe que o país precisa de seriedade, não de sorte. Não acha um azar a falta de candidatos, acha uma irresponsabilidade. O povo não é azarado, é falso. Tão falso quanto seus políticos. Comparou o colégio eleitoral a um matadouro. Os bois supostamente sabem que tem poucos minutos de vida. Supostamente devem imaginar que mais dia, menos dia, o matadouro vai chegar. Ficam supostamente normais na fila. Mas se olhar com atenção a essa fila aos olhares supostamente levianos dos bois, o que se vê é a forma mais pura da covardia. Azar deles.


O Homem da praça

Quem é ele? Ninguém exatamente. O homem da praça não é ninguém. Só está lá. Na praça. Ela é a sua ligação com o mundo terreno. Sua verdadeira pátria.

O homem da praça vive na praça desde que a praça foi construída. Dá bom dia a todos. Conhece as crianças que brincam nela e as babás fumantes e fofoqueiras pelo nome. Mas ninguém repara em sua existência. Ele tem seu banco. É dele. Nenhuma outra pessoa se atreveu jamais a roubar-lhe sua propriedade. Em baixo: quinquilharias e um espaço para dormir em caso de chuva. A cima: seu cobertor, garrafas e outros objetos que, para qualquer outro homem, que não o da praça, são lixo.

Estranhou num domingo haver mais vira-latas que gente na praça. Resolveu investigar e passou o dia caminhando pelos arredores. O homem da praça abandonou seu posto de guarda e resolveu ir atrás de seu rebanho.

Passou por alguns colégios eleitorais. Não era notado. Ouvia as pessoas conversando sobre tudo, menos sobre política. Eles disfarçavam. De vez em quando soltavam: “Vamos ver no que vai dar.”, “Dessa vez eu acho que a coisa vai mudar.”. Que coisa? O que eles esperam? O homem da praça achou estar na porta de uma igreja, numa vigília por alguém muito doente. Todos que entravam para rezar vinham apressados e sem muita alegria e saiam frios e dispersos como se o doente não tivesse salvação.

Os restaurantes estavam mais vazios. Tudo estava devagar. Transito só nas portas dos colégios. Flanelinhas faturando alto. Pela primeira vez achou que estava fora de alguma coisa. Voltou à praça. “O que está acontecendo?”, perguntou ao homem da guarita. “Eleições? Ainda bem que eu não tenho que votar.”. O homem da guarita não perguntou, mas tinha certeza que se o homem da praça tivesse algum documento, não seria um título de eleitor.


O Esquecido

“Caramba, a cidade ta vazia! Que horas são?”. As oito horas da manhã. Pós after hour a cidade parecia não ter acordado. A Paulista estava às moscas. Por segundos, achou estar no filme ‘Extermínio’ e concluiu que ainda estava um pouco bêbado. Foi pra casa. Dormiu.

Acordou, era quatro da tarde. Estava de ressaca. Olhou na janela e a cidade ainda não tinha acordado para o domingo. Estranhou e perguntou ao pai. “Eleições! Hoje? Puta merda!”. Jogou-se no armário. Colocou o primeiro par de roupas que encontrou na sua frente. Em dez minutos estava dentro do carro. Deveria votar no Itaim, onde morou até os 17. Porém, havia mudado para Perdizes, fazia já três anos. Pelo menos a cidade estava tão morta quanto no período da manhã.

Quatro e meia. Chega ao colégio eleitoral. Ainda descabelado e lutando contra seu rosto para arrancar-lhe as últimas remelas e aparentar uma cara de quem acordou as nove da manhã tomou café, almoçou com a família e estava tranquilamente exercendo seu dever como cidadão durante um domingo de segundo turno. Esse olhar durou pouco. Ao passar uma garota atraente seus olhos correram-lhe o rosto. Dirigiram-se dos seios às coxas, como de praxe. Um detalhe nela o chamou realmente a atenção. Ele era pequeno, notável e intransferível. “O título! Esqueci o título.”

Ele ficou imóvel. Seu olhar aparentemente despretensioso se perdeu. Ele se sentiu desconectado ao lugar que estava. Sem o título tudo estaria perdido. Não iria votar. Todo o seu esforço para chegar a tempo seria em vão. Ele tinha boas intenções. Estudou os candidatos. Prestou atenção nas campanhas e tentou alertar os mais dispersos a não votarem em candidatos engraçadinhos, famosos, bonitos, ridículos. Todos sem conteúdo. Para ele, apenas alguns – poucos mesmo – mereciam estar na câmara. Não que gostasse de política. Mas acha isso um ato de amor próprio ao seu país.

Saiu correndo no meio de todos. Voltou pra casa em poucos minutos, furou todos os faróis necessários, cortou outros carros e estacionou na entrada da garagem do seu prédio. No seu quarto não achava o título de jeito nenhum. Revirou tudo. Já eram cinco.

Ficou ainda mais desconectado e não sabia o que fazer. O interfone tocou. Seu carro estava impedindo que os moradores entrassem no prédio. A buzina do vizinho mal humorado lhe trouxe de volta a realidade. No carro ele procura um cigarro. Está trêmulo. O que irá acontecer com o seu futuro? Será preso? Deverá pagar alguma multa? Será mesário? Não poderá tirar passaporte? Não poderá concorrer para nenhum cargo público? A policia irá investigar sua casa? O que acontece quando deixamos de ser cidadãos? Afinal, o que é exercer a cidadania? É um domingo chato, uma lei seca, um voto obrigatório, um segundo turno?

Dentro do porta-luvas, junto ao plástico do maço, estavam seu título, sua carteira de habilitação e alguns trocados.

Como foi o seu domingo?

Escrito em 2006.

- Colagem de Robert Rauschenberg, ídolo pop.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O fim do mundo e outras histórias




Tal pai, tal filho. Sentados no sofá, pleno domingo. O mundo treme lá fora.

- Pai, o mundo vai acabar?

- Não filho, porque ele acabaria?

- O Romerito disse que o pai dele disse que o mundo vai acabar se não fizerem nada.

- Mas o mundo vai acabar um dia. Não hoje, nem amanhã. Um dia.

- Segundo o pai do Romerito, o mundo quase acabou nessa semana. Ele disse que a bolsa quebrou e estão precisando de 700 bilhões de dólares. 700 bilhões não muito dinheiro?

- Onde você anda ouvindo essas coisas? Sim, 700 bilhões é muito dinheiro, mas alguém deve e vai ajudar.

- O Silvio Santos tem 700 bilhões não tem?

- Não filho, o Silvio Santos não tem tudo isso.

- Então o mundo vai acabar! - começa a chorar. E o Bill Gates, ele tem?

- O Bill Gates também não tem, mas o governo tem e vai ajudar.

- Mas por que o governo vai ajudar?

- Ah, filho, não sei. O governo é tipo o pai da bolsa. Pensa que a bolsa quebrou o vaso da sala.

- Mas o vaso não custa 700 bilhões.

- Eu sei, o vaso é mais barato. Mas imagina que um vaso quebrado já é motivo suficiente para a mamãe querer matar você, não é?

- É - engole o choro.

- Então, o mundo acaba se a mamãe ficar brava, certo?

- Acaba.

- Um vaso quebrado é um problema para a bolsa, então ela precisa do pai dela para comprar um outro vaso antes que a mãe chegue em casa e acabe com o mundo, não está certo?

- É mesmo.

- Mas o pai da bolsa é um cara muito legal. Ele sempre deixou a bolsa fazer o que ela sempre quis. Sabe, ela podia jogar bola na sala, ver TV até tarde, roubar o lanchinho dos colegas. Tudo isso numa boa.

- Nossa, que pai legal. Você deixa eu dormir na casa do Romerito hoje?

- Não filho, eu não sou tão legal quanto o pai da bolsa. Mas veja só, o pai da bolsa quase não ligava para o que ela fazia; ela tirava boas notas e era a primeira da sala. Ele não tinha do que reclamar.

- Mas, então, ela pode quebrar quantos vasos ela quiser.

- Talvez. Mas não. Se a bolsa quebrar o vaso, o mundo acaba. O mundo – faz um movimento circular com os braços e esboça um carão.

- Ai, que chato, não quero ser a bolsa.

- Eu também não quero ser o pai dela. 700 bilhões é muito dinheiro.

- Mas pelo menos ela pode fazer o que quiser.

- To sentindo que ela vai ouvir bastante. Vai demorar para ela brincar de casinha de novo.


fim


- Imagem do inescrupuloso Mark Ryden. Uma infância do avesso.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

As imagens da besta

Há exatamente uma semana tive uma série de visões que me lembrariam um pesadelo salvo o fato de eu ter anotado tudo, o que você vai ler a seguir é um breve relato sobre a televisão e a sua (in)capacidade de agregar algo a todos nós. Eis:

"Não acredito no que estou vendo. Após uma salada Bassi me espreguicei no sofá em frente a maravilhosa.

Canal vai, canal vem, me deparei com um interessantíssimo debate a prefeitura de SP.
Nada mais popular: TV aberta, em queda – BAND -, todos candidatos presentes, péssimo fundo azul e intrepretação mexicana dos atores – pela primeira vez consegui caracterizar uma caricatura! Personagens raros, é bem verdade.



Além disso, o Boris estava muito sem poder; sem muita presença – ele não falou “É uma vergonha!” Anyway, é impossível não gostar do Boris.



Antes do míssel de propaganta – em grande parte eleitoral -, antes do último bloco. Imagino que deve ser o mais importante, quando os candidatos dão a palavra final: concluem e reforçam o slogan que resume (e compreende) o posicionamento.

Nessa hora, desisti. As propagandas estavam me batendo há uma hora e quatro intervalos. As mesmas, os mesmos. Quem estava com o Boris, no break, estava com o povo e prometia metro, saúde e vida melhor à cidade cinza.

Aí viajei até a franquia cult da rede Telecine. Farenheit 9/11 seguido por um (independente) documentário-turístico sobre os soldados que foram/vão para o Iraque.

- Até então, o debate depois da salada não avivara minha memória. Esqueci que há 7 anos duas torres grandes caíram e foi como duas bombas explodindo.

Tudo o que veio depois disso marcou a década? Sim, de preocupações econômicas à maquiagem do novo Coringa, 2001 foi o ano zero da década (do século seria muita pretensão).

O Iraque, coitado, também subiu bastante na agenda de assuntos durante esses anos. Daí para documentar os soldados, a vida deles...

( - Interessante com tudo é documentado de todos os jeitos por todas vontades (e eu duvido que nenhuma vontade me convence hoje como os amores exalados de épocas a mim anteriores.))

Óbvio que o documentário (quando eu peguei) começou broxante. Relatou-se a vida de cada multilado, o árduo trabalho para recuperação, suas famílias. Queria muito que mostrasse as tentativas desses mancebos para ingressarem nos grandes times de Murderball – toque de genialidade que faria a diferença, ou não.

Baixou-se a bola para os que não voltam e aos ingênuos (vi Tom Hanks) que não sabem direito para onde ir, ou para onde e porque vão.



Aí passou para uma abertura de papo político e eu, atordoado pelo pleito de minha cidade, decidi (após uma despretenciosa fuçada no descritivo eletrênico de cada canal) ir para o animado Multishow.

- Acho o canal da minha geração.

Juro. A MTV foi foda, mas largou a todos há uns 5 ou 6 anos. O Multishow sempre nos agradou. No começo com o Sexy Time – se você quer garantir sua audiência de 15-16 anos e não sabe como, ficadica.

Depois, veio com clipes legendados! e com séries sensuais (Bay Watch, Sex and the City – ambos, alias, exemplos vivos da mudança comportamental e de consumo após 11/9).

E hoje, o Multishow está velho, semi-homem-bunda-mole, como eu!

O Edgard ficou velho, foi pra lá. A Sarah não tinha talento, mas tinha família poderosa e carinha global, foi pra lá!




A Didi ficou antiquada, quase vintage. Foi pra lá. Essas foram umas perdas significantes para a MTV, mas não tinha como – esticaram o braço demais, se fosse para segurar, o braço caia.

Ok, Multishow, como você tem minha idade/Zeitgheist? “Porque eu tenho Stand up comedy, meu filho!”

- Mas é claro. Era o que faltava. Mas não bastava uma stand up comedy enlatada. Isso o Multi tira de letra, a Sony(eca) faz também. Ta tudo perna aberta essas importadoras aí.

O Stand up comedy não era um simples stand up comedy, urinol, azedume ou qualquer outro nome que você pregue a esse novo jeito de programa humorístico; ele é um documentário sobre stand up comediers, palermas ou vale o que você achar melhor para nomear o ofício de cada um dos homens que, de pé no palco, contam piadas e improvisam. O que importa é que os protagonistas eram muçulmanos!!



- E ainda faziam um par de piadas sobre o Islam. Caçoavam da religião, tinham SUV’s, comiam na lanchonete monstro do bairro, tinham TV’s gigantes e a cara lavada.

O personagem deles na vida real era certamente mais engraçado que qualquer piada que eles venham a acertar no palco!

E ainda tinha aquele momento família (tem coisa mais piegas que isso?) com as namoradinhas turbinadas e os papais e mamães indo para a mesquita. Péssimo. Eu pessoalmente, achei melhor garantir uma certa segurança e prestei bastante atenção no que tive testemunho.

– Quem faria um documentário desses? Quem jogaria um negócio desses na televisão? Quem compraria um documentário desses e jogaria na televisão em pleno onze de setembro?

Em pleno onze de setembro. Essa foi fantástica, pois acho que alguns espertinhos, como eu, possam vir a ter esse mesmo raciocínio que segue: a TV é ótima, uma piada. Cada canal, cada sistema, administra a pauta ou importância do dia – ok, 9/11 não é pauta sine qua mon do noticiário de hoje – mas é lindo como não tem um que se salve. E a responsabilidade de cada canal? Ainda mais os pagos, que procuram ser tão segmentados que acabam esquecendo da inteligência do espectador que tem que ver TV com um guarda-chuva na sala.

- Agora to com medo de ser um anormal? Não, só acho que a TV ta devendo, a Globosat ta muito ruim – até tiraram o Manhatan (ou deram férias) em plena corrida presidencial americana. É bem agora que o que eles falam vale a pena ser ouvido e eles me saem da grade! Pra que?

E eu adoro o Telecine. Era legal, ficou uma merda. Antes tinha o Classic e os pornôs começavam mais cedo – reprises Emanuelle, praticamente um suspiro de época de pokemon e arroz feijão no café.

Hoje não! Hoje tá mais para competir com a BlockBuster do que com os filmes HBO – ó que a HBO já é terrivelmente ruim.

Sem padrão Tele, Fail!

E ainda me lembrei que nessa nuvem de zapeadas raspei num filme do Spike Lee no Telecine (!). E ai? Ele tava no Pipoca! Cara, colocar um Spike Lee no Pipoca é apelou perdeu.



Até considero que o seu Lee fez alguns que mereciam essa framboeza, mas imediatamente meu super ego me lembra dos nossos queridos onzes de setembros.

( - Onzes de setembro é um bom nome boçal ao estilo monumento pra ficar perto da 9 de Julho.).

Spike Lee, Nova York, dublado, alternando com “The Soldiers go to Iraq, how pitty” (why don’t they discuss the war instead of it!) – que vergonha… E ainda o porno nem começou."




- Essa última foto é a que melhor representa o texto e o evento 11/9/01. Está em exposição no Espaço Paparazzo, na Pedroso de Morais juntos com um várias outras do Thomas Hoepker.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Il retorno

Como Jesus, esse blog ressuscita para morrer de novo e ficar no eterno limbo existencial da vida humana. A diferença é que demorei quase três meses, enquanto Ele fez tudo em 3 dias.

Há muito se diz que quem parado está, poste é. Justo, porém irreal, se até os postes andam e as tartarugas voam – nos filmes iranianos – a questão estática compete ao estado de preguiça mesmo. Moleza pura ou falta de interesse.

Mas agora a coisa mudou, a preguiça sarou e o espaço fértil voltou para ficar (ou não). Como diria Marcilia, “Segue o jogo”.

Vai que é sua, e carimba, Luciano, que o gol é legal.

Amanhã ou hoje a noite tem post fresquinho, BEWARE.


sexta-feira, 30 de maio de 2008

Nasce uma banda !




Agora eu aprendi a arte do crime, posso dizer. Hoje mesmo, vendo o meu Brô Phernando anunciar a sua mais que nova (mais que quente) banda projétil tive que fazer o mesmo. Não por qualquer inveja, somos bons músicos, mas sim por questão de velocidade.

Como as bandas brotam mais rápido que a lamacenta meleca dos pombos que surge no capô do meu carro quase que diariamente. Tive eu, pessoa que must be inside, que armar a minha.

Hoje está mais que claro que o que importa mesmo é atitude, presença e personalidade. Põe uma musiquinha chiclete e um ritmo balanceado e modernoso que é (vai ser, tá sendo) um sucesso.

Vamos a receita:

Pegue o nome do artigo no link da Wiki. Este é o nome da sua banda; vale o que vier.

Agora escolha as 3 ou 4 últimas palavras da última crítica desse link do Quotes. Você já forma o nome do álbum; simples e com poder de se fazer ecoar pela mente indie alheia.

Aí é só usar seu poder de designer tosco e suave com a terceira foto do link do Flickr. Mais um elemento na mistura abarrotada de significados e bom gosto.

Eis o Stout Scarab. Um bom nome, um bom álbum, pronto para o sucesso. Fiquem atentos ao seu myspace, ao seu last.fm. Essa banda promete e vai longe. Ou você acha que o Architecture in Helsinki ou o Dead Cab for Cutie nasceram da onde ?

Como Robinson



Voltei a blogueirisse depois de dias de solidão e árduo trabalho.

Outro dia, roubei uma coleção das mais antigas do meu pai dos livros de Julio Verne. Aquelas tiragens de livros que saiam na capa dura, ilustrações e linguagem pré-reforma da língua portuguesa. Um clássico. Um prestígio ler crases em O’s e C’s antecedendo T’s em casos diversos.

Não tardou e já estou devorando “Vinte Léguas Sub-Marinas” como o bolor avança nos livros velhos de cheiro tão atraente quanto saturado de fungos. O encanto pela obra foi inato, mas tenho que enfatizar o carisma de um personagem. O Conselho. Sim, o cara chama Conselho e é o mordomo do narrador. Se conselho fosse bom, ninguém dava de graça. Com Verne não é verdade e o Conselho é tão prestativo quanto o Alfred do Batman só que mais jovem e atento – seu amo, ao que parece, é um intelectual pouco viril e um tanto pedante.



Conselho é bom, mas não se compara com o maior dos ajudantes com nomes de verbetes. Sexta-Feira sim é um coadjuvante-substantivo campeão. Foi com Sexta-Feira que Robinson, o Crusué, sentiu o frescor da amizade em seu exílio. O antes selvagem, convertido a fiel capataz de um homem branco (invasor) da ilha deserta povoada por atrozes índios, mostra como colônia e colonizador podem se dar bem.

Sexta-Feira e Robinson deram liga a imaginação de todos. De Tom Hanks a Survivor, foi a dupla que inaugurou o cânone ilha deserta mais amizade mais muita confusão. Quem nunca sonhou com isso? Se bem que muitos pararam na delicinha da Lagoa Azul, o filme mais visto das tardes.

Essas fantasias sacudiram minha mente hoje quando eu li no BoingBoing que tem um maluco francês que vai fazer uma aventura digna de Robinson Crusué do século XXI. Sim, ele vai para uma ilha deserta no Pacifico passar uma temporada. Tudo solamente sozinho, com ferramentas primárias e, lá vem ela, uma câmera para registrar tudo! (mais um carregador de bateria integrado a um painel de captação de energia solar)

Absurdo! Infâmia! Podem dizer os mais aguerridos ao romance romântico e ao direito de culto a imagem sagrada que a prosa do DeFoe pintou na nossa mente. De fato, é apropriação sem escrúpulos de uma idéia que só era possível nos tempos sem tomada e GPS.



O nome do larápio é Xavier Rosset, francês e documentarista. Ele quer mandar tudo para o taipe para o rss e para os tubes da vida. E olha que a ilha é linda. Não me pergunte o porquê desse pequeno paraíso ser desabitado. Penso, logo, na existência de pterodátelos gigantes e moscas de um metro de altura. Coisas típicas dos Herculóides, trupe de heróis fantásticos que merecem uma versão cinematográfica – pelo menos pela sua ousadia de formatos e peripécias.



Com efeito, eu poderia ser esse Xavier. Todos nós poderíamos. Não sei como ele conseguiu financiamento e permissão para rodar tudo isso. Quem garante que ele não será perturbado durante esse tempo? Eu posso muito bem chegar lá de caiaque, como que não quer nada. Ou algum baleeiro japonês pode usa-lo como refém, em troca de umas baleinhas. Se for para ser Robinson, tem que ser naufrago. Tem que ter Sexta-Feira.

Mas também, caro amigo. Imagine se a moda pega e a peleja do homem versus a ilha da solidão vira terapia ou livro de auto-ajuda? Vejo os multimilionários do Bahrein, Emirados Árabes e companhia alugarem as ilhotas particulares de Dubai para o intento. Imagina o Richard Branson inaugurando a Virgins Empty Island, onde quem pagar mais de 20 mil dólares pode passar uns meses sozinho ou com a sua Sexta-Feira favorita. Vá lá.

Ser Robinson custa caro. Mas vai ter aquela situação em que você vai ter que confessar comigo: tem horas que todo mundo quer ser Robinson. O tempo de dar um tempo e esquecer tudo e todos. Partir para a ilha deserta, coisa tão banalizada hoje em dia, e tentar tirar leite da pedra e beber água da chuva, dormir na areia e não fazer a barba. Garanto que tem horas que a troca vale a pena.

Shot Sexta-Feira!

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Como se faz Renato




em algumas questões bem planejadas pela W/Brasil, Santoliquido fala sobre Renato assim como Edson fala do Pelé.

Para me conhecer, concluí eu após um devaneio junto aos meus botões, que não tenho outra opção a não ser falar sobre ele, meu alter ego: João Galante. Um homem de sucesso e virtudes inumeráveis, um homem que toda mãe gostaria de ter como genro, ele e o Rei Roberto. Um homem que move multidões. Um homem que ainda está para baixar no corpo que escreveu essas linhas. Um homem para se ver no futuro, mas, se a vaga é para daqui a 6 meses, falem com o Renato mesmo, ele dá para o gasto.

Ele gosta de novelas, gosta de escrever textos longos, textos que hão de ser compilados e lançados numa edição da Cosac & Naify quando ele partir, textos que ainda vão fazer a diferença. Ele planeja também. Ele joga futebol, mas escreve com maestria e não consegue falar dele mesmo na primeira pessoa – eis um sinal de sua modéstia incomparável, da sua incrível diplomacia com o interlocutor.

Um garoto de classe média, nascido e criado nos morros da Vila Madalena, acostumado a muita mistura e carros buzinando de madrugada. Para fugir um pouco de um dos epicentros da noite paulista, Renato aprendeu a apreciar a sétima arte. Não há lembranças de quando, mas ele jamais esqueceu do filme Fellini 8 e ¹/². A fita já foi vista e revista umas dezenas de vezes a ponto do nosso herói memorizar falas, músicas e entradas dos personagens. O amor louco pela obra prima se dá no contato sempre representado entre o onírico e o real, entre o fantasioso e o agonizante não só dentro do cinema, mas também no que tange á procura do insight – palavra tão em voga atualmente.

O cinema fascinou e encantou o candidato. Chegou a ir diversas vezes sozinho à sala escura, já foi capaz de assistir o mesmo filme por duas vezes seguidas. Não estranha indagar sobre a falta de sociabilidade do garoto. Mentira. Engana-se quem acha que nosso garoto é um introvertido e autista; muito pelo contrário, a amizade e o carinho de terceiros, para ele, é o lhe dá orgulho e satisfação nessa vida. A amizade e seus bons momentos são inesquecíveis. Agora se você quer saber o que excita, além disso, pode-se citar o fato de conseguir diversas coisas através do trabalho e do empenho pessoal. Ora em terras brasileiras – quando comprou seu skate com um dos primeiros salários -, ora em terras austrais – ao patrocinar suas viagens com trabalho suado dentro da cozinha -, Renato honra sua independência com responsabilidade.

Impossível, porém, não narrar a maior conquista da sua vida: fazer televisão. Na ESPM, ele teve a oportunidade e viveu, aprendeu e cresceu junto a uma equipe de igual qualificação. Momentos ímpares e eternos. Organizar, planejar, criar e encantar foi possível pela primeira vez para o garoto. Inesquecível.

Já que passamos pela Superior de Propaganda e Marketing, motivos não faltaram para que Renato desviasse (abandonasse) sua primeira opção de formação, administração, e partisse com tudo para a propaganda. Todos nós, agora maduros, podemos considerar uma idéia meio desmedida e insensata, mas alguma coisa lá dentro falou mais alto. Essa coisa não pode ser materializada e o pai de Renato quase deserdou o rapaz por isso. O garoto achava que para ser propaganda, tinha que ser genial. Fazer propaganda e, principalmente, se comunicar com públicos diferentes em ocasiões e formatos mutantes encanta aqueles que sempre se sentiram dispostos a mudar o mundo de alguma forma.

Alucinado por televisão e cultura popular, o candidato se encantou com o comercial da Revista Época, A Semana, criado por vocês aí da W/Brasil. Brilhante, o filme prende a atenção e é objetivo, sua produção ajuda com uma trilha suave e imagens bem escolhidas. Lançar uma revista semanal completa num país onde só se fala em Veja era uma tarefa difícil e, na época (sic), a Época garantiu seu espaço dentro da cabeça do consumidor.

O encanto pelo jornalismo e a informação precisa são algumas qualidades raras. Renato gosta muito desses assuntos, não por acaso, lê jornal de manhã ao lado do pai há uns 8 anos e devora livros quase que semanalmente. Uma vez lido Cem Anos de Solidão (de cabo a rabo em 3 dias de idéia fixa), lagrimas correram seu rosto. Talvez o livro mais emocionante. Contudo, em matéria de livro completo, não há outro que não Crime e Castigo, talvez Ulisses ou Em Busca do Tempo Perdido – esses dois últimos almejados e nunca lidos. Dostoievski dilacera um romance seco e profundo. Chega-se a ter calafrios por se habituar ao clima gélido de S. Peterburgo, de tão bem descrito. Impossível não se identificar com os dramas apresentados.

Livro na estante, liga-se a Tv, o computador, o iPod e perdemos o foco novamente. A velocidade e as prateleiras de cauda longa dos dias de hoje mexeram com a geração nascida nos anos 80. Música, por exemplo, corre pelos ouvidos do nosso mancebo como os motoboys do transito paulista. Garimpeiro assíduo e amante de música eletrônica, clássica, rock ‘n roll, soul e hip hop, Renato recusa o rótulo de eclético – apesar de saber de tudo um pouco, como manda a cartilha publicitária. Ritmos novos, combinações, bandas de 15 minutos de fama; surfa-se nessa onda e, para o prospect de planejamento, o melhor Cd atual é Sound of Silver, do LCD Soudsystem. A banda de New York fez um álbum irresistível em 2007, ouvir uma faixa significa escutar o cd todo. Impossível não dançar. Bom para o pessoal do rock, da new rave, do eletrônico e da pista no geral.

Estranho é falar de um Cd sem nunca possui-lo. Renato não tem o produto físico. Ver televisão é um pouco estranho, com vídeos pipocando em todos os cantos. O garoto não é fã de séries americanas – talvez somente The Office o agrade -, seu programa de Tv favorito é o Manhattan Connection, da GNT. Para entendermos a escolha é só voltarmos ao ponto onde Renato é descrito como uma pessoa atenta e atualizada. O programa de discussão passa pela cepa da política e economia mundial, sem esquecer da cultura. O horário ajuda bastante, afinal de domingo à noite a chance de estar em casa é alta. Novelas? Sim, por favor, mas no momento não há tempo para apreciar da dramaturgia brasileira do jeito que a mesma merece.

Fazer faculdade, trabalhar e preparar um trabalho anual consome muito de Renato. Nosso pobre diabo não pensa em outra coisa que não se formar, com um bom emprego, alguns méritos e muitos amigos. De qualquer forma, trabalhar é preciso, é para isso que ele se dispôs a escrever esse texto que, de lascivo e prolixo, trata-se de uma análise da marca Renato, um breve histórico com algumas firulas.

Uma hora temos que ser profissionais, irmos direto ao ponto. O que motiva o planejamento em Renato são as possibilidades de com estratégia e criatividade desenhar caminhos interessantes. O famoso insight salvador de marcas e campanhas vem do planejamento. Há sim um interesse pela criação. Há sim um interesse pela produção e execução tática. Porém, ainda em fase de aprendizado e com garra e cabeça aberta nosso herói presta mesmo para planejar.

Leviano seria ele se batesse na porta alheia sem motivos para entrar (e ficar) na casa. Renato gosta da W/ e acha o platel de clientes pra lá de delicioso para se trabalhar. Lido o livro a Toca dos Leões, o candidato gosta de frisar uma passagem onde a agência não queria “ser a maior, mas a melhor”.

Renato não pensa em ser o maior, nem o melhor. Ele quer uma oportunidade para provar que é capaz e dedicado. O programa o interessou, a vaga é ótima e ele entra para ser titular. E a história não pára por aí.


- Imagem da piscina maravilhosa de Bill Viola - nome de craque, arte do reflexo e suas possibilidades. Eeeeesse é fera.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Som sem fim



Melhor música nos últimos 4 minutos: Sunday, Sonic Youth.

De todos os projetos, planos, imersões e fundamentalismos da minha mente, só fiz um: ouvir mais música. Aprender mais sobre ela, aprender com ela. Ouvi de amigos, inmigos, de rebarba na conversa dos outros. Garimpei e fui atrás.

Hoje me considero um adulto, um homem da música? Claro que não. Tudo questão de macromovimentos e microvontades. Seguinte: pegar música ficou mais fácil que pegar trânsito. Só meia dúzia de tecladas e pronto. Pimba! Você tem um som novinho em folha correndo no ouvido.

Modernidades a parte, o lance é fomentar o iPod com a última. Dar comidinha para o bichinho virtual que parece ter espaço infinito e fome do desconhecido. Vai, filho, vai ser indie na vida. Ou pelo menos ouça bem o que os Stones tem a dizer. Quem sabe um pouco de James Brown pode animar essa tarde de sol e sono. Maravilha! Tudo do caralho! Acaba-se com a ansiedade – o será esta cresce ainda mais?

It’s happening!

Meu querido, quer ouvir o top 10 da Estônia, manda bala e ouve. Mija no seu ouvido, vai lá. Acha que tá bonito balançar o fio branco no busum e ainda chegar a toa na mulherada Você ainda não ouviu isso? Como não? Já sou íntimo dessa banda. Os caras tem pegada. Eu também tenho, ta afim ? Pimba! Beija a aliança invisível e corre pro abraço.

Cretinice á parte, o fato é que se não encararmos o lance musical de um jeito diferente, vai ficar estranho. Penso assim: se o seu avô lutava para ouvir uma transmissão do Pixinguinha na radiola do vizinho ou no bar da esquina, ele valorizava muito o tal do samba e, todavia, só tinha isso ou aquilo para ouvir.

Seu pai e mãe se embalavam na american music, nas ondas bossa nova, tropicália, ou beatlemaniaca. Que seja! O vinil era tão cheiroso, tão redondo, tão enorme com pinturas, desenhos e alucinações na capa. O vinil dos lados A e B, do plastiquinho para proteger. O amor deve ter esse cheiro. E, vamos lá, não era fácil assim conservar a vitrola em casa; a bolachona era cara e as grandes gravadoras mandavam.

Agora vai muleque, compra um CD do Molejão pro pai. Na fala do Gugu você ouvia Taí o Disco de Platina do Raça Negra! Quanta alegria, CD vai a rodo. No plástico industrial do Made in Taiwan. No encarte mini cheio de fotos toscas e letras compactadas das canções. Mas ainda sim, tinha o lance físico. O apetrecho do disc man para os modenóides que tentavam ouvir um Radiohead no treme treme do ônibus. Nessa época já dava para um ou outro selo mais descolado lançar esta ou aquela banda – benditos! O que não veio de maravilhas dessa iniciativa?

As grandes quebraram o nariz nessa da distribuição.

Agora veja você, caro colega: ontem cheguei e usurpei mais de 30 anos de Dub jamaicano em segundos. Cadê o cheirinho de amor? Pra onde foi a radiola de padaria?

O lance do desapego físico da música impera. Menos é mais e 30 gigas de música não faz mal a ninguém. O problema é que tudo ficou mais gratuito. Explico, como o entra e sai de sons lubrificou, turbinou e multiplicou o seu repertório você não tem mais aquele envolvimento com cada uma das suas mais de 10 mil tracks da telinha do seu mp3.

Calma lá. Nada impede de você se apaixonar por tudo que nunca ouviste cantar na vida, mas o garimpo intenso pode fazer mal ao lavrador. Este pobre peão da vida pós-moderna acaba perdendo o pé quando a piscina se enche de novas informações. Tem músicas e músicas; coisas realmente boas e coisas bacanas de se ouvir. Mas também tem muito nheco-nheco que dói de tão ruim. Como tudo na vida: mulheres, futebol e cerveja. É só com envolvimento que se descobre o que é bom para tosse – e que se envolva com moderação.

Agora que ouvir música está para a facilidade assim como o Tico Tico para o Fubá, preparem-se para a lavadeira de coringas toscos e bregas, mas também para uma mão de Ases.

Como tudo que cresce assim do nada. A orientação ideal para não se deslumbrar nem ser precoce demais para acabar a corrida antes da largada é fundamental. Vai assim de bobeira, nas beiradas que você vai longe. Vai garoto, mãezinha quer um CD do Axé Blond.

- imagem de Remed, grafite e seres mirabolantes.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Pessoas de luz própria




Sempre bom falarmos da vida pós moderna. A vida anunciada todo domingo no Fantástico, a vida daqui há 5 ou 10 anos. Quando chegaremos a morar na Lua, ou o dia em que pagaremos a passagem na catraca do trem bala Sampa-Rio com o celular.

O brilhante futuro nanico da vanguarda japonesa, sempre eles. No Japão é antes, muito antes. Lá todo mundo vive espremido, lá as pessoas vivem em casulos com muito mais luxo que os apês de cemetrosquadrados de muita gente por aqui. No Japão a histeria pop chega a dar medo; os homens suicidas gangsters cabeludos punks, as mulheres neuróticas grupies de Kate Moss e hypes miguxo-radicais. Tudo muda em uma semana.

Rápido mesmo é o vaivém de tudo e todos. Entrou, fatiou, partiu. Chegou, sorriu, saiu. Não é mole acompanhar as manadas de pessoas enclausuradas na piada interna e na azaração entre amigos. O problema é que esse tipo de coisinha sempre aconteceu, o problema é que você ou não sabíamos. A vida com luz própria permite tudo ao mesmo tempo agora, mas abre um flanco da privacidade.

Nada mal que saibam ou venerem o próximo, talvez ele possa estar mais próximo que os implacáveis astros do cinema vintage cheio de estilo ou dos novos bandleaders da última semana, que estouram e viram reis da noite para o dia. Anote o fato: precisa-se cada vez mais de ídolos que emplaquem como no passado, mas como não vemos muitos deles hoje em dia, é só um Zé fazer bonito que já ganha os superpoderes de Jagger ou Bowie – resguardadas a suas proporções de público e renda. É como o jogador que ganha a partida em time ruim, vira Deus logo nos vestiários.

O jogo é o seguinte: os que tem luz são os que absorvem e replicam qualquer coisinha mixa. Só mandar o link, ou como diz o senhor burocracia: Gostei do que você falou, manda um e-mailzinho para eu responder isso mais tarde, vou pensar com calma. Aí não, essa de manda um e-mail é muita estupidez, coisa de quem é mole mesmo e não se esconde em plena luz do monitor para não tomar decisão olho por olho.

Craque mesmo só aquele que no meio da escuridão levanta a aba do laptop e manda bala na informação. Seja no cafezinho chic da Bela Vista, seja na sala stadium do cinema (e porque não?), o traficante da informação tem luz própria pois sabe radiar. Mesmo que venha o mais puro besteirol, ele tem o toque de bola argentino, toco e me voi, e quando você vê já está na cara do gol.

Alucinados e discretos, os alienados do computador tem sua parte na vida pulverizada das modinhas tontas e das coisas engraçadinhas. Cada vez mais comum encontrarmos a raridade que dá em tripudiações e livres adaptações do Mussum pedindo fiado no Bar do Mocó ou da dancinha livre-espontânea-vontade que neguinho inventou no sul do Tocantins.

Aquela coisa, mesmo que você ache bobo vai sorrir, mesmo que tente não ligar vai ser avisado. Vai parar na sua rede social, no churrasco entre amigos ou no boteco pós-jogo. Os caras da luz própria - que encontram gozo sabe-se lá como nessa do garimpo – são as estrelas do céu sem Lua.

- a imagem é de um dos panos do Bispo do Rosário. Vai tentar acompanhar esse aí.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Nada em 3 Atos

Buenas povo,

Posto agora um curta que eu fiz há mais ou menos um ano. O projeto era inspirado na obra do Lourenço Mutarelli e ficou bem legal - e comprido, tem uns 20 minutos ao todo.

Esse post faz parte de uma tentativa minha de ilustrar um pouco mais o blog. Se vocês ainda não notaram, só tenho a foto do layout (minha camponesinha). Acho que só agora sinto que imagens e vídeos podem agragar valor ao blog - meus textos prometem continuar lonngos e contra o formato de meia lauda da maioria dos blogs.

Enfim, farei melhorias no espaço fértil no futuro. Fiquem espertos.

Valeu e bom filme.

PS: o curta teve de ser dividido em 3 partes.

PS2: Agradeço ao Beto pela postagem no Youtube.

Parte 1:



Parte 2:



Parte 3:

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Um dia na feira

Alimentos, temperos, rodas, tampas de panela de pressão; nada como um dia na feira para comprar essas coisas tão essenciais a existência humana.

A feira livre é um convite a distração e ao caos urbano. Como é cosmopolita a feira da minha rua: a entrada é dividida entre uma colônia japonesa do pastel e um agregado de ex-trabalhadores bóias frias, que desistiram de cortar cana para vender o caldo da mesma. Nas primeiras barracas vendem-se artigos de manutenção e tunning de carrinhos de feiras – tão solícitos às velhinhas e às domésticas. Os responsáveis por essas barracas são, em grande parte, torneiros mecânicos que perderam o emprego nos anos 80 no ABC e não conseguiram galgar a presidência da república ou nem ao menos chegaram ao sindicato.

Continuando nosso world tour temos as barracas de queijos, estas controladas por uma máfia de descendentes de italianos com direito a sotaque forte da Calábria e muita banha no braço das suas senhoras mães e esposas. Os descontos só são concedidos para quem prove que também remete a pátria da pizza e do spaggeti. Depois, vem a barraca dos temperos e estas, por se tratar de um terreno ainda deverás nebuloso para o cidadão brasileiro, são ocupadas por mulheres viúvas, que coabitam entre gatos e corvos; sim, são bruxas. Só podem ser bruxas ou ex-hippies que, por seqüelas ou crença ferrenha no movimento, ainda não desapegaram-se das vestimentas mambembes e da fala quase semiótica.

Ainda temos as barracas do tão amáveis peixes de feira. Um domínio oriental por excelência. Não me pergunte de onde vem o gelo e como ele se mantém por mais de 6 horas de feira com sol escaldante, nem como os peixes da feira são grandes e, seu estoque, infinito. Agora se o papel jornal é o melhor lugar para se conservar um peixe com mais de 2 metros de envergadura ou como dentro de cada exemplar marinho ainda encontra-se água (ou gelo) de modo à peça ficar mais pesada; a isso eu não tenho resposta.

Chegamos ao prato principal da feira livre: as frutas, os legumes, as verduras; as dúzias, as meia-dúzias, as pechinchas, ao leve-3-pague-2, ao deixa eu dar uma experimentada; por ai vai.

As cores e a gritaria parecem não ter fim. Para onde se olhe, as pessoas querem chamar sua atenção com gritos e gesticulações. Feirantes videntes parecem interpretar pensamentos e, ora já embrulham o produto, ora viram-se para outros fregueses, como se você, em menos de 1 segundo, você já dissesse Não, obrigado; mesmo que o que você tinha em mente era perguntar o preço do quilo, ou onde ficava o banheiro.

O profissional de feira, um tipo experiente, não perde tempo com clientes menores como eu ou você, eles querem as donas de casa com carrinhos volumosos ou velhinhas com bolsas de tamanho semelhante. Jovens, casais, office boys e pessoas em geral, só dão trabalho, pois insistem em pechinchar, em usar e abusar do sotaque paulista. O feirante, meus caros, não é bobo e tira todo mundo de letra, ele deve ter uma cota de vendas imaginária e por isso se não conseguir (ou perceber que não vai) vender nos 5 primeiros segundos de contato, passa a ignorar o mané que ulule na frente da sua barraca.

Outro fato que chama a atenção na organização desse micro espaço é a sua economia peculiar. Não estou falando do mercado de negócios entre empresas – B2B, nem mesmo do comércio formal de empresas com consumidores (seja por lojas próprias ou varejo), tampouco quero me referir ao comércio do mercado irregular, da pirataria.

O comerciante de feira tem uma política econômica que contempla a insana busca por descontos e, em muitos casos, a verborragia e a negociata funciona sim e se leva 4 pagando 2 – inda mais no fim de feira; não por acaso, o consumidor e o feirante, quando em sintonia, saem amigos só faltando um convite para jantar na casa do outro ou de tomar um chopinho numa hora dessas, devemos atentar para afinidades como torcer para o mesmo time da camiseta do feirante alvo, o que pode lhe render muitas vantagens econômicas e informações valiosíssimas, como Não vai na barraca do Anderson não, que tá tudo estragado. A economia do feirante é a de venda por escala, mas é quase impossível, ao gastar mais de R$10 numa barraca, não cair de amores e trocar algumas palavras entusiasmadas com o nosso tão retórico feirante.

O ponto da localização da feira é fundamental para o seu sucesso. Já vi feiras em viadutos, embaixo de pontes, em rotatórias gigantes, em praças, em estacionamentos. Mas verdade seja dita: a feira de rua é um sucesso. Digo a feira que toma de assalto as ruas alheias da nossa cidade. A feira que tomba caixas e caixotes às 4 da manhã. A feira que desperta sutilmente os moradores da rua tomada às 6 com gritos de Olha’o tomate! Olha’o tomate!

Sob um olhar de um biólogo, os feirantes se reúnem tão rapidamente, de forma tão uniforme, que perecem ser urubus atraídos pela carne de um hipopótamo em estado de putrefação ou como formigas se lançam a caça de um bolo de casamento que acidentalmente acabara de cair próximo ao formigueiro.

A questão é que por mais distante um do outro que os feirantes possam morar, eles se reúnem no mesmo local, na mesma hora e, após 10 minutos, dão fim aos seus caminhões. Na certa os escondem em estacionamentos secretos, em cumplicidade aos moradores que margeiam a feira. Como em filmes de ação, os feirantes sabem esconder caminhões, sujeira, armas, escravos bolivianos e cadáveres dos seus inimigos. Se você já viu o filme 60 Segundos, ainda não tem noção de quão dinâmica pode ser o processo de pilhagem e esconderijo de simples feirantes.

Arriscar-se numa feira livre é conhecer o último resquício babilônico na cidade ou um convite para refrescar-se ao tomar um caldo de cana com limão, com gostinho de abacaxi, que pode vir a ser tamarindo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Além do bem e do mal

Noutro dia lembrei de quando as pessoas mais velhas me fitavam do alto e diziam Aê galerinha do mal. Tapinha nas gostas e afagos na cuca seguiam essas palavras quase que automaticamente. Eu sorria e falava para mim mesmo Eu não sou “do mal”. Nunca me permitia ser ouvido e pensava comigo mesmo, O que é ser do mal?

Aos 10 anos, ser do mal era combater os Cavaleiros do Zodíaco ou ser o chefão final do jogo em que você perde 4 horas queimando seus dedos para alcançar e, em 5 minutos e muitas vidas e continues depois, te esmiralha e ri disso com a tarja Game Over piscando. Ser do mal era isso. Era ser da turma mais velha que tomava a quadra de jogar bola nos intervalos com o discurso de que Somos mais fortes e mais velhos (nessa ordem), vão jogar em outro lugar!

Fui crescendo com alguns arquétipos sobre o que era mau e o que era bom. Cuspir no chão pode ser emocionante quando, aos 14, se aprende a extrair o próprio catarro dos pulmões, mas é mal; roubar a quadra do futebol da turma de 10 anos tem gosto de vingança, mas é mal; matar aula é mal; roubar balas nas docerias era emocionante, contudo mal, muito mal (depois quem vai pagar por isso?).

Como você é mal. Que maldade. Quem já ouviu isso sempre titubeou entre um sorriso sarcástico indisfarçável e o remorso imediato por expor traços delinqüentes em público. O sentimento de culpa pode variar de acordo com o delito, por exemplo, se você atropela um sapo, de propósito, uma vez recriminado, a culpa pode de deixar até sem graça. No caso de atropelar uma senhora de idade a fim de ganhar dinheiro ou pontos para a próxima fase, desperta o mais maléfico dos semblantes em quem estiver segurando o joystick. Ser mal pode ser bom, ou mau.

Mas outro dia mesmo, ouvi Como vai a Galerinha do Mal? O que responder? Agora me considero um homem regulado, pleno nas minhas escolhas, responsável pelas minhas atitudes. Pensei em algo como: Eu nunca fui "do mal", tio, eu não fumo crack. Talvez seja esse o tipo de resposta que eu sempre quis ter dado, mas nunca tive coragem, porque não sou da turma do mal. Os maus têm como índole a ousadia e a coragem, e é nessas horas que tais coisas aparecem mais nitidamente, na hora de responder com sarcasmo e sem respeito a um chiste – principalmente se for provocado por alguém mais velho, que inspire ordem e superioridade moral.

Os melhores maus são aqueles que detonam com a velha guarda dos conceitos arcaicos. Não por acaso caem nas graças do povo e, com o tempo, invariavelmente, podem ser absorvidos pela sociedade, não como algo venal, mas como uma questão de atitude selvagem. Assim nos atraímos por rockstars, grafiteiros, pilotos de f1 malacos, e apresentadores polêmicos; no geral, artistas que vivem nos excessos. Normalmente quem desvia os costumes (para o lado mal) ganha com isso, ou morre de overdose.

Essa parcela de pessoas, porém, é muito pequena. A ordem do mundo pode ser mantida pelas pessoas que são, e se conformam em ser, do bem. Aqueles que primam pelos bons costumes mandam no mundo, nas coisas, nas leis; enfim, ditam as regras. Eles podem até ter o seu lado mal, mas são muito mais benevolentes que malévolos. Digo isso porque imagino a mente do Nelson, dos Simpsons, um cara mau por natureza e caricatunização, em pessoas como o Kim Jong-Il, ditador (dono) da Coréia do Note ligando para o Mahmoud Ahmadijad presidente (proprietário) do Irã. Em uma ligação, eles podem acabar com o mundo, ou seja, são maus, mas poderiam ser ainda piores, ao passo de ainda manterem uma chama do bem nas suas devidas proporções.

Eu não sou da turma do bem, mas ser da turma do mal é muito ser do PCC, ser da al Qaeda ou ser usuário de drogas (?). Fumar crack é mal, atirar em policiais é muito mal, detonar dois arranha céus é quase o cúmulo da maldade. Ser mal deve vir com o indivíduo. Ser mal é uma questão de excesso de bondade a qual muitos são marginalizados?

Entre o bem e o mal, saio isento. Impossível não ter maldade, impraticável é ser bom o tempo inteiro. Só acho errado subjugar alguém, por mais que tente soar interessante, e fale ao léu: Como estão as coisas com a turma do mal? Quanta malandragem, quanta sagacidade. Somos maus, somos malandros, somos marginais. Eu não. Perdeu, playboy.

PS: E as diferenças entre o mal e o mau? Acertei na gramática? Essas ficam para a próxima.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Eu sou um açaí

Chega no caixa e diz:

- Oi. Eu sou um açaí, com granola e banala fatiada.

- Prazer, eu sou o R$ 10,20.

- Oi?

- Oi.

- Deu dez e vinte?

- Não, eu sou macho. Apesar de você pagar, eu não dou.

- Oi?

- Oi.

- Ãhn... Você aceita cartão.

- Só débito.

- E tique?

- Oi?

- Oi. Tique, você pega?

- Não sabia que se pagava tique. Achei que era algo que se adquiria.

- Como assim? Eu ganho.

- Ganha? Você ganhou aonde, na guerra?

- Não. Eu trabalho. Ganho do RH.

- Onde você trabalha deve ser uma guerra, não?

- Não. Você aceita tique?

- Não.

- Droga, posso passar um cheque?

- Ta amassado? Eu aceito mesmo assim.

- Não. Não ta amassado, engraçadinho, você tem a maquininha?

- De passar? E existe máquina de passar cheque?

- Não de preencher o cheque!

- Mas, ó, se for para passar roupa tem uma lavanderia ali na rua de trás.

- E caneta? preciso preencher.

- Preencher o que? A barriga, com uma caneta ?!

- Não, o cheque, tenho que fazer um cheque de dez e vinte, senão não saio daqui.

- Como você vai fazer um cheque, trouxe uma impressora?

- ... Não.

- E então como?

- Você tem uma caneta ou não?

- Tenho, um momento.

Volta.

- Ei-la.

- Obrigado.

Preenche. Entrega:

- Espera aí.

- O que foi, quer que eu coloque o telefone atrás?

- Esse não é você.

- Como não, sou eu sim, quer documento?

- Não precisa, eu reconheço um de vocês de longe, daqui do restaurante mesmo.

- Por que? Você já me viu aqui?

- Não, você não disse que era um açaí, com granola e banana fatiada?

Há !
 
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