segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Daqui não passa

Estava ali um menino, na sala, sozinho. Ele tinha a missão mais chula da piada barata: apagar a luz. E lá estava ele por ser o último a sair.

Esse menino olhou bem para todos os bancos desarrumados. Todos canetados, com desenhos mal-feitos e anotações. Uns assentos estavam carcomidos, outros mais ajeitadinhos – eram diferentes e definitivamente não eram iguais aqueles da sala do outro lado do corredor. Não se pareciam com nenhum outro conjunto de bancos de sala de todo o prédio.

Até hoje esse menino não sabe explicar o que o fez ficar naquela sala vazia por tanto tempo. Se foi a lousa rabiscada, o lixo espalhado no chão ou as pecunímias que, por ventura, um ou outro aluno deixou por ali. O silencio iluminado por aquelas luzes brancas e secas dava um tom de apreensão – era preciso fazer alguma coisa.

O menino não pensou duas vezes e se pôs a sentar em cada uma das cadeiras. Sentava e lá ficava tentando se aconchegar mexendo os ombros, a bunda e a coluna. Sentava porque queria ver o que estava desenhado na prancheta da bancada, tentou entender um a um, suas formas e suas razões. Sentia que todos aqueles rabiscos o comoviam.

Alguns desses desenhos o fizeram rir, outros tantos o pregaram na cadeira por razões desconhecidas, mas encantadoras. O tempo foi passando e o menino não mais lembrava quem estava sentado em cada cadeira na hora da aula, ou a ordem, ou ao menos se essas cadeiras tinham sido manchadas nessa ou naquela aula.

Viu então que no dia seguinte a sala estaria arrumada novamente. A lousa seria apagada, as cadeiras ordenadas – talvez até limpas – e a luz seria acesa para mais uma temporada de estudos. Viu que era tão pequeno quanto as pontas de caneta e os papeis jogados pelo chão. Viu que toda aquela atmosfera, por mais insignificante que fosse, nunca mais seria a mesma.

Daí começou a lembrar de todos os alunos novamente. Não como pessoas físicas de cara e bocas. Mas sim como sensações, vozes, risadas, olhares e toques. Esqueceu-se dos nomes para ficar apenas com o sopro de cada um que estava ali. O esforço foi tanto que viu a sala novamente em aula, viu as cadeiras ruindo para ajeitarem aqueles alunos inquietos e teimosos. O vai e vem da conversa e até os desenhos continuaram. A lousa pipocava em riscos e rabiscos. Estava tudo ali, vivo, dentro daquela sala vazia.

Levantou-se, apagou a luz e não quis saber do dia seguinte.

Um comentário:

José [Zeh] Eduardo disse...

Bonito.. Bem bonito, Re.

Espero que seja isso que você leve mesmo.

 
BlogBlogs.Com.Br