terça-feira, 27 de novembro de 2007

Esperando pelo homem

Chego lá para esperar pelo homem. Ele disse que vinha. Eu sei que ele vem e, enquanto não vem, fico esperando ele chegar. Vou e pego uns livros, revistas e artigos para folhar, ver e ler nas entrelinhas – só para ficar sabendo o mais raso de cada assunto, só para falar que sei o que não sei, mas tenho propriedade. Falo bem e não cito referência nem fonte, falo bem para falar como se a origem fosse eu.

O homem não chegou ainda, marquei para as 20h, já são 20 e 30. Normalmente ele dá uma atrasada, charme puro, catimba. O homem é boleiro, gosta de uma cera, é chegado a um confete quando está com a bola toda. Só que até agora ele não tem pelota nenhuma de vantagem. Espero o homem que não chega e me é igual, só que não chegou ainda, começo a pensar em sair dali e dar ao homem o que ele não merece, um cano.

Só não merece um furo, pois eu já fui o homem que nunca chegou, já deitei e rolei no gramado para ganhar tempo, para comer bola. De propósito já lhe fiz mal. Na cara dura já atrasei meia hora, uma hora, duas horas. Só falo que eu sempre fui: atrasado sim, ausente nunca.

Chego ao final da primeira leva de revistas, das gringas e das boas, só que antigas dem
ais. Cara de anos 90, assim já manjo tudo. Já vivi os anos noventa, eu me lembro muito bem. As revistas velhas tinham o problema de não terem sua continuidade atual, a safra que peguei ia de 93 a 99, se fosse vinho ou whisk, ok; mas era revista – e revista, assim como mulher, anos 90 não dá. Ainda não dá, talvez. Quem sabe nos anos 2010 tudo dê; as revistas por serem vintage e as mulheres por serem semi-deusas recém saídas do forno da adolescência.

A hora dobra para as 21h e o homem nem deu sinal ainda. Não resisto e ligo, uma vez. Sem resposta. Ligar para o atrasado pode ser perigoso, pois o atraso pode ter um motivo, uma causa nobre que não vale uma ligação suja do colega que não soube ser amigo e esperar com paciência – adjetivo que não me tomava na plenitude naquela hora.

Chego aos anuários. Benditos fólios de curadoria gringa também. Estes mais bicudos, mais gordos e inspiradores. Anuários são a droga do eclético, a regra de três do preguiçoso. Mesmo assim são recheados de coisas vermes, como se diz no Norte.

Anuário delícia me sugou por minutos preciosos. Devorei não um, mas dois do mesmo jeito que a raposa rasga e se empanturra do cordeirinho mirrado. Quero sobremesa, tenho fome. Mata o homem e come, diria a coroa. O homem não chegou, pego um copo d’água para disfarçar a fome e voltar ao resto de revistas. Vem a publicação de moda, moderninha, metida e enfadonha. Quase 500 páginas de futilidades típicas de quem é de Nova York. Senti falta da raça do anuário, por um momento, cheguei a pensar em pegar mais revistas dos anos 90.

Assim como um anúncio, ouço o descer de escadas de alguém. Poderia ser o homem? Seu passo já me é conhecido, seu balançar de pernas não me engana. O som começa a ficar mais próximo, juro que ele está chegando. Faço meia careta, meia cara de alívio. Ele, enfim, veio para me ajudar. Não era o homem. Guinou a passada no andar de cima, ironizando meu faro auditivo.

O homem ainda não veio, acabou a leitura, começo a me preocupar. Digo chega e ligo de novo, nada. Agora ele só pode estar querendo uma comigo. Armo o castigo, vou para o boteco, vou enrolar e chegar atrasado com sorriso cevado, cara lavada. Vou dar um chapéu no homem que ele vai ver só. É isso mesmo, minha vez de enrolar.

Já logo na saída, sem mais e sem menos lá ele está. O homem. O homem que me enrolou, sorrindo todo prosa como se estivesse me fazendo de fantoche. Acabei de chegar, disse e me cumprimentou. Não disse nada, não consegui expressar minha raiva, meu plano se frustrou, a minha espera só funcionou porque resolvi esquecer de esperar e lá veio ele, estragando tudo. Cheio de nove horas ele ainda me perguntou se eu estava indo embora, eu disse: não, tava só esperando pelo homem.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Como planejei minha vida.

Nunca entrei na modinha dos blogs, mas não deu para resistir ao ver a minha amiga Mari respondendo um questionário arriscado para uma big agência. Eu também gosto de agências imponentes e fibrosas. Adoraria integrar agências inteligentes e capazes. Agências ferozes, que dominam o reino animal da publicidade (a profissão mais afeiçoada às cobras que as lebres). No caso, a agência, trata-se da J.W.T., um leopardo das savanas rasteiras, que não tem medo de búfalo nem de rinoceronte e devora uma gazela como uma criança destrói um frutili.

A sigla JWT assusta quem conhece e quem não conhece a arte da propaganda. Falei com minha mãe, que é professora: Filho! Que bom, você vai entrar numa farmacêutica, não é? Não mãe. Ah! Então é uma daquelas empresas que vendem aço e ganham bilhões por ano, compram umas as outras e exploram milhões de pobres em paises como Bangladesh. Que bom, você vai ser rico. Antes fosse mamuxa, é uma agência de publicidade, só que uma das grandes; sabe como é que é, quando a coisa é grande é melhor do que quando é pequena, pense em televisão, quarto de hotel e brinde de promoção, maior melhor. Ela teve que concordar agência grande, sorriso grande.

Com o apoio materno restou apenas eu mover meus dedos fatigados de tanto sambarem pelos teclados do meu computador aqui no escritório – e adivinhe, é uma agência! A Thompson (o T da poderosa tríade) quer saber como eu sou, dessa forma tive duas opções ou me apresento formalmente ou crio um personagem absolutamente fictício, meu seft made sucess case. Dou o start num pseudônimo de sucesso, oposto ao seu gênio terreno, um caractere que trilha para o brilhantismo e para as cadeiras dos Chairs Man – mas não para sentar no colo deles, faça-me o favor.

Para me conhecer, concluí eu após um devaneio junto aos meus botões, eles podem checar esse blog tão trabalhado. Tão fértil. Tão leitoso. Tão santo, tão líquido, tão volátil. Ele já diz muito sobre mim. Assim sobra espaço para que conheçam meu alter ego: João Galante. Um homem de sucesso e virtudes inumeráveis, um homem que toda mãe gostaria de ter como genro, ele e o Rei Roberto. Um homem que move multidões. Um homem que ainda está para baixar no corpo que escreveu essas linhas. Um homem para se ver no futuro, mas, se a vaga é para daqui a um mês, falem com o Santoliquido mesmo, ele dá para o gasto. Ele gosta de novelas, gosta de escrever textos longos, textos que hão de ser compilados e lançados numa edição da Cosac & Naify quando ele se for, textos que ainda vão fazer a diferença. Ele joga futebol também, mas escreve com maestria e não consegue falar dele mesmo na primeira pessoa – eis um sinal de sua modéstia incomparável, da sua incrível diplomacia com o interlocutor.

Mas você, que ainda corre os olhos sobre esse texto, vai se perguntar, não seria Renato um criativo perdido na vida, um errante virtual? Não seria Renato um demente para o planejamento, uma pessoa assaz irresponsável para a visão holística de problemas, um menino fanfarrão, um pequeno burguês, que nada quer com a vida e não preza pelo seu destino? Qual será a sina de Renato? O limbo, o não-destino, o ponto neutro, a estação do vazio ou o metro Vila Madalena? Onde ele vai? Onde ele quer chegar com isso?

Planejar, para Renato, ó leitor tão especulante, é trabalho antes de tudo. Seu pai marcou bem isso, disse: Filho, quando te criei, eu acordei com o pé inchado e tive que começar a planejar após essa data. Sabes quantas fraudas eu comprava de antemão nas noites em que comias banana amassada com farinha Láctea? Não papi, quantas? Primeiro foi um par, depois foram dez, após 2 meses descobri que apenas 6 eram necessárias, elaborei cronogramas, fiz planilhas a mão e colocava o despertador para 5 minutos antes do seu já tão choroso e irritante berrar borrado no meio da madrugada, 6 vezes por noite. Uau, papai, então eu devia ser bem chato. É filho, você era, você nem começou a andar e já me amolavas, porém eu planejei e tive seu irmão, este foi planejado, este Será direito, um bom. Este eu não botei para tocar violino quando completou 3, com este eu não fui ao show do Legião no aniversário de 5. Este vai ser algo na vida, já planejei, será engenheiro, não publicitário, ô profissãozinha menor.

Para meu pai, eu trabalho em um escritório de consultoria de marketing, o prêmio mais nobre para quem faz comunicação social.O pai de Renato não acredita, mas seu filho é um grande planejador. Ele já inventou peripécias diversas e engabelações quase infinitas para furtar o carro da família, já foi capaz de malabarismos mil para descolar aquela grana de final de semana. Você quer alguma justificativa escolar? Quer pleitear notas, faltas, atrasos, multas de carro? Renato consegue. Improviso, malandragem, corrupção? Claro que não! Planejamento.

Cito logo um exemplo: Renato quer morar sozinho e não sabe como, não tem dinheiro nem estadia, elabora um plano de conhecer pessoas que tenham um dos dois, ou relaciona a instabilidade mundial com a sua necessidade de dinheiro iminente para aplicar em títulos arriscadíssimos de uma companhia norueguesa de imóveis. Renato já viu tudo, ledo leitor, ele já se posicionou antes das grandes. Baseando-se no superaquecimento terrestre e nas guerras que pipocam dia a dia como espinhas em adolescente, ele sabe que, mais dia menos dia o gelo derrete e tudo ficará uns 5 graus mais quente, o inverno vai para o saco e o verão eleva-se ao quadrado. Quem mora em praias, resorts, paraísos fiscais e outros territórios de baixa altitude terão que mexer suas bundas e ir morar em outros lugares. Como a economia mundial vai naufragar com isso, Renato pensou (planejou) comprar ações de um país de estabilidade sólida como o gelo, dura como a rocha – a Noruega, um lugar com altas tendências de não perder nada com o degelo. As altas altitudes e a população litorânea em 2% farão da Noruega uma nova China nos anos próximos. Renato acertará e terá uma casa bem grande, com direito a ar condicionado turbinado e piscina com churrasqueira para as tardes de outono.

Assim, concluo esse relato. Um case de sucesso, um elogio ao brilhantismo. Você, que leu e prestou atenção em tudo, vai ver que Renato é um candidato forte. Um ser com planejamento na veia e que, mesmo entrando atrasado, vai ganhar essa corrida, que faz parte do decátlon da vida humana, onde só os fortes prevalecem e podem ter seus textos publicados pela Cosac depois de mortos. Ele chega lá.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O Gato e o Nada

Havia, há muito tempo, um gato que não tinha amigos. Também não tinha inimigos, nem pulgas. Não recebia carinho, nem era xingado. Nenhum cão jamais latiu para ele; o gato nunca correu atrás de um rato, tampouco afugentou uma pomba.

Nunca tomou leite, nem se lambeu. Nunca morou no telhado, nem comeu todas as gatinhas. Bigode – ao menos – ele tinha.

Tinha também pelos negros e olhos esquivos e verdes. Suas garras eram finas e compridas. Não aprendeu a miar, não sabe eriçar os pelos e não faz sua higiene numa caixa de areia.

Certa feita o gato estava rodando seu habitat, uma casa – vazia. Uma casa sem mobília e só paredes, nem portas a casa tinha. Da pintura pouco sobrara, o telhado estava rachado e as infiltrações encobriam o cheiro de capim do jardim. Muito mofo e vazio. A escada estava rompida no meio do caminho, o mofo a fez desmoronar; bastou o gato atingir o terceiro e último degrau para receber uma bola de ferro da demolidora – enfim ele ganhou alguma coisa.
 
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